Por Felipe Rosa Mendes
Beatriz Haddad Maia superou de vez o pior momento de sua carreira. A principal tenista de simples do Brasil enfrentou uma suspensão de 10 meses por doping, mais três de afastamento causados pela pandemia e uma cirurgia para retirar um tumor da mão esquerda. Agora saudável, mais madura e confiante, a atleta de 25 anos acumula números inéditos no circuito e recordes pessoais e já vislumbra o retorno ao Top 100 do ranking, a elite do tênis.
Foram 63 vitórias neste ano, sua melhor marca em apenas uma temporada até hoje. E contando, porque ela disputa nesta semana o WTA 500 de Chicago, sua primeira chave principal de um torneio da elite desde julho de 2019. Ela soma 5 títulos em 2021, de nível ITF, logo abaixo da WTA, com aproveitamento de cerca de 80% em geral. Segunda jogadora que mais venceu jogos dentro do Top 250, ela saltou 243 posições no ranking.
Desde que voltou da suspensão há um ano, em setembro de 2020, foram dez finais e nove títulos. “Acho que nunca tinha feito 10 finais num intervalo de um ano. E voltei sem nenhum ponto, sem ranking, comecei do zero…”, diz Bia, em entrevista ao Estadão. A temporada 2021 só não é melhor que 2017, quando alcançou sua melhor posição no ranking: 58º. Hoje é a 116ª.
Mas, levando em consideração outros aspectos, não seria exagero dizer que a brasileira vive seu melhor momento da carreira. “Em relação à saúde, trabalho, consistência, consciência, esse ano está liderando. Estou conseguindo fazer boas semanas em diferentes pisos, em diferentes condições. Estou jogando bem na grama, no saibro.”
A evolução dentro e fora de quadra pode ser atribuída justamente ao pior momento de sua trajetória esportiva. Em 2019, ela brilhava na grama de Wimbledon, algo raro para os brasileiros, com uma segunda rodada e vitória surpreendente sobre a ex-número 1 Garbiñe Muguruza. Na semana seguinte, recebia aviso de suspensão por doping. Bia provou que o resultado positivo para SARM S-22 e SARM LGD-4033 (agentes anabolizantes) era consequência de uma contaminação de um suplemento. Escapou de uma punição pesada, que poderia chegar a quatro anos. Mas não passou ilesa. Foram 10 meses de gancho.
Seu retorno estava marcado para maio de 2020, mas a pandemia estendeu o afastamento das quadras porque o circuito estava paralisado naquele momento. Em 13 meses longe dos torneios, Bia não desanimou. “Fiquei muito tempo sem jogar, então consegui enxergar o tênis de fora. Pude ver que às vezes um jogo não era tudo aquilo que eu colocava como pressão, como se fosse a minha vida. A partir do momento que o tênis não fez parte da minha vida, eu tive que viver o outro mundo. Quando voltei, não valorizei uma derrota ou um ponto perdido como valorizava antes. Voltei outra pessoa”, afirma.
O amadurecimento passaria por testes nos meses seguintes. Dentro e fora de quadra. Quando embalava em seu retorno aos jogos, com seguidas vitórias em torneios ITF, Bia precisou parar mais uma vez, entre outubro e fevereiro deste ano. Descobriu um tumor benigno no dedo médio da mão esquerda, com a qual joga. “Meu dedo parecia uma azeitona”, lembra. A canhota precisou fazer um enxerto do quadril para evitar que o tumor gerasse uma fratura no dedo.
Na esfera pessoal, no fim de 2020, ela encerrou um relacionamento longo com o também tenista Thiago Monteiro, número 1 do Brasil. “Atletas também são humanos e todo mundo sabe que términos fazem parte da vida, mas é algo que me fez amadurecer muito.”
As mudanças seguiram neste ano. Bia passou a ser treinada por Rafael Paciaroni na parceria que fez com o Instituto Rede Tênis Brasil (IRTB), entidade que surgiu da união entre o Instituto Tênis e a Tennis Route. Os resultados apareceram rápido. Ela chegou a emplacar 13 vitórias e dois títulos consecutivos neste ano.
Ela também surpreendeu nesta temporada pela longa sequência de torneios, algo incomum em sua curta carreira, marcada por quatro cirurgias e seis interrupções por problemas físicos. Já são 21 competições em série, sem qualquer parada. “É uma soma de fatores, que me fez amadurecer muito. Mas eu colocaria um asterisco, que é o Rafa. Ele tem trabalhado muito bem a minha cabeça. A única cobrança que temos um com o outro é trabalhar duro. Acho que essa entrega dele comigo e essa forma como encaixamos a equipe é muito importante para tudo o que está acontecendo”, afirma a tenista, que vem buscando ser mais agressiva em quadra sob o novo treinador.
PATROCINADORES – O maior desafio da tenista no momento é voltar ao Top 100 e buscar mais apoiadores. Os dois objetivos estão ligados. Estar na elite permite disputar torneios maiores, com premiações mais polpudas. Em 2020, prestes a sair da suspensão, ela contou ao Estadão que vivia momentos difíceis também do ponto de vista financeiro. Foram meses sem entrar recursos de patrocinadores ou premiações.
A situação está bem melhor agora, com novos apoiadores. Mas a tenista ainda não se banca, como acontecia em 2019, pouco antes do afastamento. “A conta ainda não fecha”, revela. “Preciso pagar hotel, alimentação, voo internacional toda semana. Preciso ter um fisioterapeuta comigo, além do técnico. Ter eles do meu lado é a diferença de passar para a segunda rodada ou chegar à final e com boas condições físicas. É um investimento que faço.”
Ao mesmo tempo, a tenista enfrenta as dificuldades inerentes de um circuito afetado diretamente pela pandemia. “Está muito complicado se planejar. Jogar tênis está sendo a coisa mais fácil para todos os tenistas, porque o resto está insuportável.” Ela se refere às mudanças constantes nos calendários da ITF (Federação Internacional) e da WTA, às restrições na entrada de estrangeiros em cada país e à logística de cada viagem.
“Precisamos reservar hotel com antecedência, mas precisamos checar se entramos na lista do torneio. Se não, pode ser que precise viajar para outro continente. Tem que descobrir onde fazer os testes de covid-19 em cada cidade. Se não achar, precisa ligar para a WTA, mas o cara responsável pode estar dormindo porque está na Europa. Muitos países não aceitam brasileiros, então precisa de uma carta, que às vezes só chega dias depois. Está uma loucura”, enumera a brasileira. “Nós viramos agentes de viagem”, brinca a tenista.