Por Alessandro Lucchetti, especial para a AE
O Brasil se emocionou em 2016 com Ygor Coelho, carioca que aprendeu a jogar badminton em um projeto social criado por seu pai na favela da Chacrinha, no Rio de Janeiro, e foi nosso primeiro representante na modalidade nos Jogos Olímpicos. Pouco mais de quatro anos depois, o atleta não planeja apenas estar presente na Olimpíada de Tóquio, mas ir além.
Ygor não precisou das cotas reservadas ao país-sede para disputar os Jogos do Rio-2016. Hoje ele ocupa a 49.ª posição no ranking. No entanto, observado o limite máximo de participantes por país, o brasileiro sobe para o 22.º lugar no ranking específico de classificação para os Jogos, que atribui no máximo duas vagas a cada país. O brasileiro, que estaria em Tóquio se o ranking fosse encerrado hoje, é também o primeiro das Américas.
“Meu objetivo é estar entre os 20 primeiros quando o ranking estiver fechado, para ser cabeça-de-chave e ter maiores chances de avançar além da fase de grupos. Meu sonho é a medalha olímpica e não sinto que esteja longe dela”, disse o atleta de 24 anos, que mora desde 2018 em Aaarhus, na Dinamarca, onde defende o Højbjerg Badminton Club.
No último quadriênio, Ygor alcançou grandes conquistas – faturou o bicampeonato no Pan da Modalidade (Havana-2017 e Cidade da Guatemala-2018) e a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Lima-2019. No Mundial de 2018, em Nanquim, na China, conseguiu alcançar as oitavas de final, com direito a uma vitória sobre o indiano Haseena Sunil, então 11.º colocado no ranking mundial. “Se ganhei do 11.º do mundo, acredito que tenha potencial para ser Top 10 do mundo”, deduziu o atleta.
Ao longo desse processo, Ygor padeceu com uma deterioração significativa do labrum, cartilagem que envolve a articulação do quadril. Trata-se de um problema similar ao que foi responsável pela aposentadoria precoce do tenista Gustavo Kuerten. “Li a biografia do Guga e acho que tivemos problemas parecidos mesmo. Mas naquela época (2008) era necessário abrir todo o quadril. No caso, fiz duas cirurgias fazendo apenas dois furinhos”, contou o jogador, que se submeteu ao procedimento em agosto e já se diz totalmente recuperado. “Meu treinador (Mickael Kjeldsen) até me disse, esta semana, que se surpreendeu por eu estar bem rápido e forte. Felizmente voltei bem e sem nenhum problema”.
No início deste ano, Ygor anunciou o fim da parceria de dois anos com a treinadora dinamarquesa Nadia Lyduch, que filmava suas partidas e, baseada na capital Copenhague, lhe prestava consultoria, sendo remunerada pelo Comitê Olímpico do Brasil. “Estava com dois treinadores e às vezes as informações se chocavam”, disse.
Muito mais forte e agressivo em comparação com o jogador que se viu no Riocentro, nas disputas olímpicas de 2016, Ygor hoje se vê como outra pessoa em quadra. Na avaliação do português Marco Vasconcelos, o treinador da seleção brasileira, nem todas as mudanças foram positivas, no entanto.
“Devido à forma como se desenvolveu como jogador, na Chacrinha, o Ygor tem características muito próprias, que não se devem mexer. O badminton dele era feito com muita antecipação, e golpes neutros, as chamadas fintas, que se fazem com a munheca. Com o tempo, ele deixou de usar esses recursos, achando que os adversários aprenderam a ler esses movimentos. Acho que ele poderia manter aquelas características, e utilizá-las em determinados momentos do jogo, como um elemento-surpresa”, afirmou.
Ygor diz que concorda com o lusitano e discorda dele ao mesmo tempo. “Eu tinha um jogo mais paciente e usava mais recursos técnicos mesmo, mas ainda utilizo as fintas. A diferença é que agora jogo muito mais no estilo dinamarquês, dominando a rede”, comentou.
A busca por desenvolvimento técnico no país nórdico foi uma raquetada certeira de Ygor. Antes, ele treinou por quase dois anos na França, com um período no Instituto Nacional do Esporte, onde foi orientado pelo treinador dinamarquês Peter Gade, ex-número 1 do mundo. Hoje, três dinamarqueses se intrometem no Top 20 do mundo – os outros 17 são asiáticos. “Os asiáticos têm uma outra mentalidade, uma cultura diferente do badminton. Eles correm muito mais. O que fazem é algo muito mais perto de um atletismo com raquete”, descreveu Ygor.
As fintas do jogo de Ygor são produto do estilo malemolente concebido pelo pai do jogador, Sebastião de Oliveira, que criou o projeto Miratus na favela da Chacrinha. Para estimular o desenvolvimento da coordenação motora da criançada, o professor de Educação Física criou o Bamon, técnica que auxilia a condução dos treinos e o condicionamento físico. No Miratus, as crianças fazem evoluções na quadra, com as raquetes nas mãos, no ritmo do samba.
Enquanto torce para o filho alcançar seus sonhos, o irrequieto Sebastião quer replicar a Associação Miratus em diferentes comunidades do Rio, sejam elas comandadas por milicianos ou por diferentes organizações criminosas, incluindo a Maré e a Cidade de Deus. “A Miratus não foi feita para o Ygor. Ele é um talento que cresceu demais e é muito maior do que a medalha de ouro dos Jogos Pan-Americanos. Trata-se de um exemplo de trabalho e de superação que foi buscar a realização do seu sonho na Dinamarca. Nosso projeto agora vai ter uma etapa diferenciada. Quero abrir três núcleos apenas com as meninas. Acho que nós, homens, temos uma dívida muito grande com as meninas. Os meninos ficam mais à vontade para brincar na rua e desenvolver a coordenação motora. Já elas estão ajudando em casa nessa idade, fazendo comida, olhando os irmãos. Quero contribuir para o desenvolvimento esportivo delas”.
Curiosamente, foi justamente uma mulher que motivou Ygor a se agarrar ao badminton. “Lembro que a Renata Faustino ganhou o prêmio Brasil Olímpico de 2009. Isso me motivou bastante a perseguir esse objetivo. Sete anos depois, eu estaria disputando uma Olimpíada”.