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Aos 89 anos, Tornado diz que está tudo slow

“Sou um cantor que atua, o ator foi um trampolim,” argumenta o paulista, 41 anos só de TV Globo, que voltou ao palco na quarta, no Rio, em uma rara incursão, com o show “Soul & emoção”.

A noite teve músicas como “Podes crer, amizade” e “Deus negro”, mas o ponto alto é “BR- 3”, canção de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar com a qual ele venceu o V Festival Inter­nacional da Canção, em 1970. Ela também deu título ao seu primeiro LP, de 71, um clássico da soul music brasileira, que está sendo reeditado em vinil pela Polysom. E será tema de um livro, do pesquisador Lula Moura, que está sendo escrito com ajuda de Tony.

Depois de uma operação na ca­beça do fêmur, o cantor — uma das referências da cultura negra e black no Brasil — não tem exe­cutado mais os seus famosos passos de dança. Mas ainda encara o palco com a vitalidade e o humor de quem se sabe pri­vilegiado pelo DNA: seu pai está vivo e lúcido aos 108 anos.

O que mudou com a idade?
Perdi um pouco a paciência, infelizmente. Acho que hoje é tudo muitoslow. Até quando vai passar as músicas do show, o músico diz: “Pô, Tornado, tá difícil pra caramba, aqui tem uma semicolcheia!”. Não quero falar de Nego do Borel, de Jojo Todynho, mas é fato que o Brasil tem todo um leque de situações boas musicalmente, e que, por preguiça, as pessoas preferem ir no “senta, senta, senta, senta”. Pôxa, cara, o Vinicius e o Tom morreram à toa? Os caras não dormiam, não comiam, porque tinham que fazer uma coisa boa. Hoje em dia é só “ah, isso aqui vai rimar”.

Você já tinha toda uma história de música antes de entrar no festival, não é?
Eu era cantor do (grupo do organista e rei dos bailes ) Ed Lincoln. Quando saí para tentar o festival, o Ed falou que eu ti­nha que arrumar um cara para o meu lugar. Pois fui a uma boate, e quem eu encontrei? O Emílio Santiago. É claro que o Lincoln nem sentiu falta do Tornado depois! Eu era safo, fazia palha­çada, trocava de paletó no meio da música… Modéstia à parte, eu era um one show man . Mas nunca tive pretensão de ser um grande cantor.

Tem uma história de que você e Tim Maia se conheceram nos Estados Unidos, antes do su­cesso, quando eram imigrantes ilegais por lá…
O Sebastião (nome de batismo de Tim ) era mais ilegal do que eu. Eu era ilegal, mas era mais ou menos comportado, tinha 20 mulheres na rua. Cafetão era uma profissão boa, não era uma profissão qualquer, eu tinha mi­nha Cadillac branca por dentro e por fora, roupas bonitas… O Sebastião, não, eu fui tirar ele na delegacia, ele tinha roubado não sei o quê. Alguém falou “ô, Com­fort ( apelido de Tony no Harlem ), tem um brasileiro pegado lá”. Eu fui, e era o Tim. Paguei a fiança, ficamos muito amigos e continuamos a nossa amizade no Brasil. Eu fui no dia do último show dele…

Quem é o rei do soul brasileiro?
O Sebastião nunca foi do soul, o pessoal se engana. O Sebastião é romântico, é uma outra levada. Quando eu falo em soul, eu falo é em Gerson King Combo, em Miguel de Deus, esses são os caras de soul. O Sebastião, graças a Deus, explodiu, e isso deu um avanço para todo mundo que fazia mais ou menos essa linha de espetáculo, mas o que ele fazia era a coisa romântica mesmo. Sebastião dava na veia da doméstica, tudo o que ele pegava era vendável.

O que você queria ao cantar música como “Deus negro”, cujo título, na real, é “Se Jesus fosse um homem de cor”?
Além de cantar, eu tinha uma missão maior, que era a da conscientização de massa, eu fui muito político, algumas coi­sas não desciam para mim. Eu tinha uma sede de falar “sou negão, sou preto, sim!”. Não me candidatei porque tinha medo de perder os amigos, que já são tão poucos…. Nós tivemos um ator, o Francisco Milani (que chegou a ser eleito vereador pelo PCB ), mas ele viu muita sacanagem e sacou que não dava para compactuar com aquilo.

Como está a visibilidade dos negros na TV hoje, depois de tanta luta?
Deu uma melhoradinha, mas ainda falta muito. O que eu não gosto muito é desse paterna­lismo. Adoro o Lazinho (Lázaro Ramos ), mas existe uma alta proteção, e às vezes exageram em querer mostrar a negritude dele e fica tão fora do contexto, naquele casarão, com aqueles empregados (na série “Mister Brau” ). Não que a gente não possa ter, mas não é normal num país como o nosso.

Como você vê a sua atuação no cinema, que foi de pornochan­chadas a “Pixote”?
Fiz uns filmes horríveis, se juntar tudo é “meu passado me conde­na”. Eu tava duro, era o momen­to, tinha toda uma necessidade. Mas eu fiz “Pixote”, fiz “Quilom­bo”… O papel de que eu mais gostei foi na TV, o do Gregório Fortunato em “Agosto”. Ele ia totalmente contra as minhas ideias, mas eu tinha que fazer. Eu vi a “Cabana do Pai Tomás” com o Sérgio Cardoso pintado de preto. Para não acontecer mais isso, não posso dizer não aos papéis.

Silvio Santos foi seu colega no exército. Até quando você acha que o Silvio segue na TV?
Até o dia em que ele cair duro! O Abravanel (o nome verdadeiro de Silvio é Senor Abravanel ) virou neném. Quando você vê o pro­grama dele, as barbaridades que ele fala… eu me divirto, e ainda mais depois daquele dia em que a calça caiu. Ele está com 89 anos também, só que eu tenho a certeza que eu sou mais lúcido. Só não sou mais rico que ele.

Sua história é conhecida por ter muita lenda no meio da verdade. Qual a maior lenda sobre você que precisa ser esclarecida?
Os caras dizem que eu tenho pica grande, até hoje quando chega uma mulher é um tal de “olha o Tornado!”. Isso é uma besteira!

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