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Antonia da gente, de todos e do mundo

Como não lembrar de Antonia, minha mãe, que há quinze anos faleceu, um ser tão especial na minha vida e na vida de todos que se aproximaram dela, deixando um legado de valores e ações que eu procurei seguir e que me fez o homem que sou hoje. A ela devo minha vida, não apenas por ela ter me gerado, mas por ela ter lutado por mim logo ao nascer, quando tive desidra­tação e quase morri, mas com toda a paciência e amor conseguiu me arrumar leite materno que não tinha, e aos poucos fui me adaptando ao leite normal e superando essa adversidade.

Apesar de toda carência material que enfrentei quando criança, nunca me faltou atenção, carinho e ouvidos. Sempre fui uma criança encapetada, que queria saber de tudo, arriscar, conviver com gente, interagir com o mundo, e ela nunca me recriminou, respeitando a minha individualidade e os meus desejos. Em São Paulo, cidade que nos acolheu e nos deu toda oportunidade de sobrevivermos e evoluirmos, lembro do seu rosto triste e amargurado ao nos deixar no final da tarde para enfrentar o trabalho na recepção do Hospital Cruzada Pró Infância, durante toda a noite e a madrugada.

Às vezes, tentando minimizar essa dor imensa da sensação de abandono, nos trazia uma caixa de chocolates para adoçar o nosso amanhecer e diminuir a dor que carregava no seu coração. Em 1979, eu com 13 anos, lembro como se fosse hoje minha mãe dizendo: “Tenho muito respeito pela Simone, pois só ela teve co­ragem de interpretar e gravar ‘Pra não dizer que eu não falei das flores’, de Geraldo Vandré, após ter sido censurada pela ditadura”.

Ela era uma mulher engajada nas lutas sociais, mas pro­curava fazer boas ações aos que precisavam e estavam ao seu redor. Diversas vezes no mês de julho, um frio enorme em Sampa, ela me acordava de madrugada para distribuir cober­tores e blusas aos moradores de rua. Ela sempre disse e repetia que a revolução é necessária, mas precisamos estar vivos e fortes para ela, portanto temos que preservar nossos irmãos e ajudá-los na sua caminhada.

Em 1981, com 15 anos, já era filiado ao PCdoB e minha ta­refa era distribuir o jornal aos simpatizantes e engajados. Mui­tas vezes minha mãe escondeu meus jornais dentro do forno, com medo de uma possível repressão. Na greve dos bancários, em 1985, a maior greve e acredito que a mais importante que participei, pois paramos o sistema financeiro do país por três dias, a fiz sofrer, pois fui detido por organizar piquetes e tive que me privar de sua companhia por três dias.

Lembro da felicidade dela ao me ver são e salvo e de chorar muito ao me abraçar. Em 1988, ano da Constituinte, fui escalado pelos camaradas professores, e como representante deles fui a Brasília para garantirmos nossos direitos na Constituição de 1988. O que me marcou foi minha mãe ir ao meu encontro na Praça da República, local da saída de 40 ônibus para Brasília, me levar todo o dinheiro que ela poderia disponibilizar e me dar um beijo, dizendo que estava orgulhosa de mim e que me amava muito.

Em 1992 resolvi voltar para Ribeirão Preto, me casar e continuar lecionando, e imediatamente recebi total apoio dela. Fiquei distante dela até 1997, quando resolveu voltar também para Ribeirão e viver mais perto de mim, após a morte de meu pai. Desde então fiquei muito feliz, pois ela sempre foi meu porto seguro e a pessoa que eu poderia confiar e dizer tudo que pensava ou queria, sem pestanejar.

Viveu oito anos mais, sempre ajudando a todos que a cerca­vam dentro das suas possibilidades, e minha grande alegria e satisfação foi poder cuidar dela até a morte e por todo o perío­do em que se adoentou.

Salve Dona Antonia, você sempre foi e será a minha refe­rência e seu legado está perpetuado em mim e em todos que puderam conviver e aprender um pouco contigo. Te amo.

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