Tribuna Ribeirão
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Antes maravilhosa, hoje senhora em luto permanente

Luiz Paulo Tupynambá *
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Eu havia pesquisado e separado material para falar sobre as novas fontes de energia e sua importância na Nova Economia, porém, num desses hiatos inesperados e obrigatórios que interferem em nossa vida e em nosso trabalho, surgiu o caso do assassinato, na madrugada desta quinta-feira, 5 de outubro de 2023, dos três médicos ortopedistas, no Quiosque da Naná em plena Avenida Lúcio Costa, no ponto mais valorizado da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. Mais um crime bárbaro na cidade antes maravilhosa e que hoje é uma triste senhora em luto permanente,

Na verdade, quatro médicos foram atingidos por balaços, enquanto comiam nesse quiosque à beira-mar em frente ao hotel cinco estrelas Windsor Barra, onde estavam hospedados e onde está sendo realizado um Congresso internacional de ortopedistas do qual participavam. Apenas um dos médicos baleados sobreviveu, o médico Daniel Sonnewend Proença, 32 anos, que levou três tiros, foi socorrido e levado para o Hospital Municipal Lourenço.

Morreram:

– Marcos de Andrade Corsato, 62 anos. Médico assistente do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Fazia parte do corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês de SP. Morreu na hora.

– Diego Ralf Bomfim, 35 anos: Irmão da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP). Especialista em Reconstrução Óssea pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Morreu no Hospital Lourenço Jorge.

– Perseu Ribeiro Almeida, 33 anos: Morava em Jequié, no sudoeste da Bahia, e trabalhava em Ipiaú, no sul do estado. Era especialista em cirurgia do pé e tornozelo pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Fez aniversário na terça (3). Morreu na hora.

Conheço razoavelmente este pedaço do Rio de Janeiro, mas não vou lá há alguns anos. Durante 2009 e 2010 estive várias ocasiões hospedado na Barra, em períodos que chegaram a durar noventa dias, mas eu ficava em um condomínio próximo ao Posto 7. Os homicídios desta madrugada aconteceram entre os Postos 3 e 4, num quiosque próximo à Praia do Pepê.

A entrada do Condomínio Vivendas da Barra, onde morava ou mora o ex-presidente Jair Bolsonaro, fica na mesma Avenida Lúcio Costa, a uns quatrocentos metros do Hotel Windsor. Aqui não vai aqui qualquer ilação de envolvimento do ex-presidente com os crimes, é apenas um referencial de localização. Mas visto que uma das vítimas era irmão da deputada federal Sâmia Bonfim, do PSOL-SP, faz alguns alarmes soarem. A deputada é casada com o também deputado federal Gláuber Braga, do PSOL-RJ, o que desperta suspeições sobre as motivações do crime. Ambos são deputados combativos e que não têm medo de investigar coisas que normalmente as forças de segurança oficiais não costumam ir a fundo.

Várias hipóteses já correm pela imprensa. Uma delas é do envolvimento da Máfia das Próteses (escândalo já denunciado sobre o superfaturamento e inchaço dos números das próteses usadas em procedimentos em hospitais públicos e pagas com dinheiro do SUS). Segundo essa hipótese, ou mais de um, dos médicos estaria passando informações para membros do legislativo que estariam coletando provas para futuros indiciamentos. Mas é apenas ilação de alguns, nada tem de comprovada. A segunda hipótese seria de uma execução de pessoas erradas. A terceira é de que, em uma situação anterior na mesma noite, os médicos tenham entrado em alguma confusão numa boate ou bar em outro local e depois teriam sofrido uma retaliação dos envolvidos no incidente anterior.

Porém, as evidências que já surgiram com a divulgação das primeiras imagens gravadas por uma câmera de segurança, mostram que três indivíduos de roupas pretas e gorros pretos, saltaram de um automóvel branco, atravessaram a pista da avenida e descarregaram suas armas contra os quatro médicos sentados em uma mesinha no quiosque. Os atiradores correram para o carro, mas dois deles voltaram e fizeram o chamado “confere”, que é a última olhada para ver se todos morreram, e dispararam mais algumas vezes. Mais de vinte oito tiros foram disparados contra os médicos, em apenas trinta segundos, ou seja, sete balas para cada uma das vítimas.

Pode parecer, à primeira vista, que será fácil identificar os autores. Não houve preocupação dos executores em esconder o rosto ou a placa, ou qualquer outro tipo de identificação do carro, num local com testemunhas, bem iluminado e com várias câmeras de vigilância. Mas será? O Rio de Janeiro é pródigo no desaparecimento de provas, câmeras que param de funcionar dez segundos antes dos crimes e testemunhas silenciadas na bala. A ver.

Acabo de ouvir que a polícia do Rio já afirma que provavelmente foi um engano e milicianos teriam a intenção de matar o filho de outro miliciano ou bicheiro que seria um desafeto. Rápido assim? Pois é. Acredite quem quiser, mas é sempre assim com a segurança no Rio de Janeiro. Não existe explicação cristalina para crimes como esse, tudo se perde nas águas turvas das polícias contaminadas pelas milícias. E as milícias são, atualmente, o maior desafio para a segurança e a ordem pública e o Estado de Direito no Brasil. Nós já tivemos, bem pouco tempo atrás, uma péssima experiência, ao nível federal. Ou se acaba com esse câncer social do Rio de Janeiro ou o Brasil vai sofrer muito mais.

Desculpe pelo desvio do assunto de hoje, mas coisas tenebrosas como esse massacre nos tiram do caminho sem aviso.

* Jornalista e fotógrafo de rua 

 

 

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