Edwaldo Arantes *
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Quase sempre estou com os olhos abertos. Vejo as paredes tão próximas e intensamente distantes, parecem querer abraçar e ao mesmo tempo, manter longe.
A penumbra é acalentada pela tênue claridade, brotada pela genial invenção de Thomas Alva Edison, dentre tantas criações, presenteou o mundo com lâmpada incandescente.
Meus pensamentos arrastam-se vagando em lembranças projetadas em sequência, fotos jogadas de forma rápida, criando a impressão de movimento em nosso cérebro.
Como a genial invenção dos irmãos Auguste e Louis Lumière embalando corações apaixonados, beijos escondidos, risadas e palmas das crianças, todos maravilhados quando as luzes se apagavam, olhos fixos vibravam com as imagens saltando das telas.
O final do ano de 1895, no dia 28 de dezembro, em Paris, foi marcado por um evento que mudaria a história do mundo.
No café mais badalado da Cidade Luz, o “Gran Café de Paris”, os irmãos Lumière organizaram a primeira exibição de um filme, apresentando uma grande invenção, o cinematógrafo.
Foi criado uma das mais lindas obras e páginas jamais vistas, o Cinema.
Interessante como estes filmes podem nos remeter a diversos tempos, espaços e momentos, em uma destas vejo minha infância, sob as chamas das velas, criando sombras na escuridão, medo e terror da noite.
As cenas de vez em quando ficam estáticas, fazendo brotar o silêncio, criando um gosto especial, decifrando a solidão.
O relógio que recuso a perceber, seus ponteiros marchando para o nada, marcando apenas meu olhar perdido sobre a existência e seus caminhos.
O raciocínio cria imagens imprecisas, os pensamentos misturam-se desordenados, desalinhados e caóticos, surgindo uma mescla de visões anárquicas, causando grande confusão.
O rebuliço que lembra os diferentes idiomas, a ilusão de edificar um campanário tão alto que tocasse os céus.
Mito da propensa “Torre de Babel”, castigo de Deus a seus construtores que começaram a falar línguas difusas e ininteligíveis entre si.
Estou só e não me trás nenhuma importância, não existem arrependimentos, apenas constatações.
Arrisco alguns passos trôpegos causados pelo parceiro tinto português, caminho na pequena área do quarto sem horizontes.
Dirijo-me à estante, em um gesto aleatório retiro um livro, caminho até a poltrona, folheio sem muitas emoções, percebo nas mãos uma das minhas obras preferidas, “Cem Anos de Solidão”, do brilhante escritor e Prêmio Nobel, Colombiano, Gabriel Garcia Márquez, em seu realismo mágico.
Pelos mistérios e fatos que envolvem a memória e as intrigantes lembranças que nos trazem, percebo que ao abrir justamente no capítulo onde “Gabo”, refere-se à “Peste da Insônia”, onde uma epidemia contaminou todos os habitantes de “Macondo”, causando a perda da memória.
Os dias e noites em claro evoluíram para o esquecimento, sumindo com as lembranças, nomes, noção das coisas e a consciência do ser.
Os moradores no intuito de não se lembrarem dos seres e objetos, criaram uma alternativa, placas de identificação, tipo: cadeira, vaca, perfume, mesa, como esquecem rapidamente, anotavam sua utilidade, uso e função.
A vaca produz leite, necessário ordenhar todos os dias, a ordenha se faz apertando as mamas.
Mamas são tetas onde jorram um líquido branco, que faz queijos e assim, sucessivamente.
Leio alguns parágrafos, fecho a obra, volto à taça e sorvo um gole quase em sofreguidão, retornando aos sonhos e devaneios.
Lembranças, suores, arrepios, um frio que percorre meu corpo, causando a certeza que não existem agasalhos para a alma ou lareiras acalorando corações.
Teus olhos resplandecem como o reflexo de um raio de sol mirando uma esmeralda, tingindo de verde tudo ao redor, sua lembrança afaga e acalma a rebelião dos meus pensamentos.
Nesses momentos atestamos com veemência que a realidade tem o poder de retratar a verdade em precisão absoluta, refletindo e definindo o belo em sua essência.
Demonstrando o semblante gracioso, harmonioso, elegante e formoso, desnudando a deslumbrante existência, esculpindo intimamente uma maravilha elaborada e lavrada em calma, mistério, enigma e segredo.
* Agente cultural