Por Danilo Casaletti, especial para o Estadão
“Eu todo ingênuo achando que era só uma música nova.” “É álbum? Me fala, sou nervoso.” “Assim vocês matam os fãs.” “Socorro.” “Traz os aparelhos.” “2021 certamente terá uma vibe mais leve a partir daqui.”
Essas foram algumas das reações dos fãs nas redes socais do duo Anavitória assim que ele lançou, na virada de 2020 para 2021, o quarto álbum de carreira, intitulado COR. Não houve qualquer aviso prévio. “Do nada”, como outros tantos seguidores descreveram, 14 novas canções foram apresentadas – a maioria trazendo conteúdo audiovisual.
O movimento parece natural para Ana Caetano, 26 anos, e Vitoria Falcão, 25. Foi na internet que elas, que se conheceram na escola, começaram a mostrar seu trabalho em 2013. Logo, sua base de fãs está nas redes – e sempre à espera de conteúdo. Porém, elas garantem que a intenção principal de lançar um disco entre os primeiros minutos de 1º de janeiro não saiu de uma reunião de marketing.
“Foi mais uma questão de simbologia do que uma estratégia. Achamos que era um dia forte. Nasceu de uma sensação de que esse ano seria mais legal do que o anterior. Uma grande festa, um portal. Lançar de surpresa é algo que gostamos de fazer”, diz Vitoria Falcão. “Eu, Vitoria e Felipe (Simas, empresário da dupla) temos uma paixão por colocar coisas importantes para nós em datas especiais. Gostamos de acreditar na força que essas datas carregam”, completa Ana Caetano.
O álbum foi gerado durante a pandemia. Assim que o isolamento começou, Ana, Vitoria e Felipe, que moram em São Paulo, internaram-se em uma casa em Itaipava, na região serrana do Rio de Janeiro, para dar forma ao projeto.
Para ajudá-las na pré-produção, convidaram o músico e produtor Tó Brandileone, da banda 5 a Seco. Ele acabou por assinar com Ana Caetano a produção do trabalho. Eles já haviam trabalhado juntos no álbum N, de 2019, com canções de Nando Reis.
“Chamamos o Tó para formatar as canções. Não sabíamos, em um primeiro momento, se íamos conseguir produzir de fato um álbum. Com o passar dos dias, percebemos que já o estávamos fazendo. A experiência anterior (com N) havia sido incrível. Tó sempre nos deu voz. Ele entende a nossa cabeça, leva a gente a sério mesmo”, conta Ana, a compositora mais frequente da dupla, que assina a maioria das canções do novo trabalho, sozinha ou com parceiros.
Embora tenha sido produzido em meio à reclusão e ao medo trazido pela pandemia de covid-19, as canções não passam por esse sentimento. Muitas delas já estavam no caderno de Ana à espera do projeto. Com exceção de Selva, assinada por ela e Tó, a última a ser composta, que flagra o tempo em que vivemos. “Mundos vão ruir, curas vão surgir, e nós dois aqui”, diz a canção.
As demais, em geral, têm base no folk pop romântico que a dupla abraça desde seu primeiro álbum Anavitória, de 2016, e do hit Trevo (Tu), que deu a elas o Grammy Latino de melhor canção em língua no ano seguinte. Embora, nesse novo trabalho, elas abarquem muito mais as dores de amores do que um sentimento idealizado. COR já é apontado como o álbum mais maduro do duo. Ana e Vitória acham inevitável.
“Quando começamos, éramos duas meninas que tocavam no quarto, para o YouTube. A experiência era zero. De lá para cá, fizemos muitos shows, muitos mesmo. Entendemos nosso som, o que queremos cantar. No começo, era tudo muito colocado e nós íamos. Agora, não escolhemos mais entre o que nos está sendo oferecido. Não acatamos mais sugestões. Nós chegamos dizendo o que queremos fazer”, diz Ana.
“Se você escutar nossos álbuns na sequência, isso fica muito claro. No Anavitoria nós nunca tínhamos pisado em um palco ou estúdio. No segundo disco (O Tempo É Agora), já tínhamos feito shows e sabíamos o que queríamos viver no palco. O N é uma libertação total, ou o conhecimento dela, com músicas do Nando Reis que desconstruímos totalmente. O COR é uma mistura de tudo isso e parece que agora chegamos no som que queríamos”, afirma Vitoria. “Mas pode ser que daqui um ano nós queiramos outro”, complementa Ana.
COR é o primeiro álbum independente desde que o duo assinou com a gravadora Universal, ainda no primeiro trabalho, gerado de forma autônoma, mas licenciado pela multinacional. A decisão, segundo elas, foi amadurecida conforme o término do contrato ia se aproximando. Ter controle do catálogo pesou na decisão.
A faixa que abre o álbum, Amarelo, Azul e Branco, percorre um caminho de volta ao passado para chegar no presente que elas buscavam. O título faz referência às cores da bandeira de Tocantins, estado de onde Vitoria e Ana vieram, mais precisamente da cidade de Araguaína, município situado a quase 400 Km da capital Palmas – Ana, na verdade, é natural de Goiânia, mas foi criada na cidade.
“Essa canção nasceu, em fevereiro de 2020, do refrão. Mandei para a Vi e perguntei se ela queria me ajudar na composição. Queríamos falar sobre Tocantins. Somos encantadas por ele, mas nunca tínhamos cantado o nosso lugar. Estamos em um momento de apropriação de quem somos. E bater e fincar o pé nas nossas raízes nos fortalece”, explica Ana.
Para complementar os versos afirmativos “Eu vim pra te mostrar/A força que eu tenho guardado/O peito tá escancarado/E não tem medo, não, não tem medo/Eu canto pra viver”, Ana selecionou um trecho de um texto da escritora francesa e ativista do feminismo Simone de Beauvoir (1908-1986) que diz: “Ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância. As minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade hoje? Não sou escrava dele”
O trecho de Beauvoir é lido por Rita Lee. O disco já estava quase finalizado quando Ana e Vitória tiveram a ideia de chamar Rita para essa participação especial. A resposta do assessor de Rita deu esperanças para as duas: “ela vai pensar”, disse. “Normalmente, ela fala logo não. Eu liguei para Ana e disse ‘Ana Clara do céu! Rita está vendo. Não sei o que, mas está vendo!’. No mesmo dia à noite, recebemos o áudio. Sabe que até hoje eu não acredito?”, conta Vitória.
Outro convidado de COR é o pernambucano Lenine, que canta na faixa Lisboa, de Ana com Pedro Novaes, a última do álbum. Os três já haviam se encontrado no palco em 2019, em um show no Rio de Janeiro. Elas mesmas fizeram o convite, aceito na hora. “Ele está cantando em um registro mais grave, meio sexy. É a minha faixa preferida do disco. Estou louca para cantá-la no palco, junto com ele”, diz Ana. Lisboa foi uma das doze faixas que ganharam tratamento audiovisual, ou os “visualizers”, como o duo prefere chamar.
Ana e Vitória se mostram ansiosas para transportar das redes para o palco o som de COR, o que deve acontecer apenas no segundo semestre, assim que a pandemia der uma trégua e a aglomeração não for mais uma ameaça. “Eu já sei que ele vai funcionar maravilhosamente bem! Penso nisso todos os dias. Vai pegar fogo!”, diz Vitória. “Sempre entendemos nosso trabalho com a troca com o público. Sem isso, fica meio estranho. A sensação de estar no palco é uma droguinha incrível. Eu sinto muita falta”, opina Ana.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.