Por Eliezer Guedes
A história de pessoas que quando jovens não tiveram oportunidade de aprender a ler e escrever e que agora, dedicam parte do seu tempo para conhecer o alfabeto
As histórias de Ivan, Quitéria, Alcebíades e Amilton são muito parecidas. De origem humilde, oriundos quase sempre da zona rural da região Nordeste do país, quando crianças eles não tiveram a oportunidade de frequentar o banco escolar para se alfabetizarem. E os que fizeram acabaram tendo que abandoná-lo para trabalhar e ajudar no sustento da família, geralmente composta por mais de cinco irmãos.
Resultado: o tempo passou, eles cresceram, se mudaram para grandes centros urbanos em busca de uma vida melhor, casaram e constituíram família. E como a repetir o ciclo de seus antepassados, foram forçados a deixar o sonho da alfabetização de lado para se dedicarem integralmente ao sustento e educação dos filhos.
Encontrar outras tantas histórias parecidas com essas na periferia de Ribeirão Preto não é nada difícil. Entretanto, silenciosamente, toda noite, de segunda a sexta–feira, é possível constatar que centenas deles decidiram mudar o destino e dedicar parte do seu tempo de descanso, após um dia de trabalho, para aprender a ler e escrever.
Em Ribeirão Preto, eles fazem isso em dezessete escolas e sessenta e duas salas de aula do programa Educação de Jovens e Adultos da Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto, o EJA. O programa oferece formação do ensino fundamental para pessoas com mais de 15 anos de idade e tem 1.688 alunos sendo 478 do primeiro ao quinto ano e 1.210 do sexto ao nono ano. As aulas são realizadas tanto no período diurno como no noturno.
Do total de participantes 42,6% têm entre 15 e 18 anos de idade e 57,40% mais de dezoito anos. Já os alunos com mais de 60 anos de idade, representam 4% do total, o que significa 60 pessoas. Em relação às regiões da cidade com maior demanda as Norte e Oeste são as que mais buscam por vagas, sendo que a Norte responde por 49% da demanda e a região Oeste, por 37%.
Além do método convencional, os estudantes do sexto ao nono ano – fase em que existem disciplinas específicas, como geografia e matemática -, podem optar pelo ensino online. O método consiste em aulas nos laboratórios de informática das escolas, com um computador por aluno e tem supervisão de professores das respectivas disciplinas. A etapa fundamental (1° ao 9° ano) é de responsabilidade compartilhada entre estado e município. Já o ensino médio é de responsabilidade da rede estadual.
O jeito foi usar a memória
Com 48 anos de idade o eletricista Amilton Dantas Carvalho é um dos alunos do EJA na Escola Municipal de Ensino Fundamental Faustino Jarruche, no Bairro Jardim Marchesi. Natural do Rio Grande do Norte, ele reside em Ribeirão Preto desde 2001, quando comprou o que chama de “barraco” no Jardim Progresso. O bairro localizado na região do Parque Ribeirão foi formado a partir de uma invasão de uma área pública nos anos 1990 e tem cerca de 1.500 famílias.
Casado e pai de uma filha Amilton trabalha como eletricista em uma empreiteira e para realizar suas atividades profissionais aprendeu a utilizar sua capacidade de memorização para decorar os procedimentos técnicos a serem feitos na obra. Procedimentos estes, repassados verbalmente pelo seu superior.
Um tanto tímido Amilton conta que antes só conseguia assinar o nome e, mesmo assim, por ter decorado a grafia. Agora, já dá “para engolir umas letras” como, por exemplo, as do letreiro do Poupa Tempo, localizado no Novo Shopping. “Quando fui lá tirar um documento e consegui ler foi uma alegria muito grande. A minha vida está mudando para melhor”, diz.
A exemplo dele, o pedreiro Alcebíades Rodrigues de Barros, 50 anos, também comemora o fato de estar aprendendo a desvendar as palavras. Oriundo da Bahia, ele conta que quando criança não teve condições de estudar e que depois de adulto, só tinha tempo para trabalhar. Casado e pai de dois filhos já adultos e alfabetizados, diz que o incentivo para aderir à alfabetização foi meio impositivo.
Mesmo sem ter Carteira Nacional de Habilitação (CNH), às vezes, utilizava uma moto que possuía para trabalhar. Certa ocasião ao ser parado pela Policia Militar em uma blitz de trânsito, a “ficha caiu” e ele teve a certeza que somente aprendendo a ler poderia tirar a carteira de motorista e dirigir tranquilamente. “Tirar a carteira vai ser bom, mas conhecer as palavras também tem sido muito bom”, afirma explicando que muitas vezes, por ser analfabeto, é constrangedor ter que pedir informações.
Ensino contextualizado
Professora do programa Educação para Jovens e Adultos – primeiro ao terceiro ano -, na Escola Faustino Jarruche, Kédima Martins é uma espécie de amiga confidente dos alunos. Isso porque, segundo ela, sua função é ser mediadora no processo de aprendizado e não a dona absoluta do saber. Na prática, significa dizer que a metodologia utilizada em sala de aula também leva em consideração as experiências individuais de cada aluno transformando-as em elementos a serem trabalhados em sala de aula.
Pós-graduada em Alfabetização e Educação Infantil e pós-graduanda em neuropsicopedagogia, ela se orgulha da evolução de sua classe. “Aprender a ler e escrever tem uma motivação específica para cada um deles. Algo que faz com que se sintam mais completos como ser humano”, explica.
A sensação de realização citada por Kédima é visível na estudante Quitéria Maria de Oliveira, de 52 anos. Evangélica, ela tem como principal meta – quando concluir o processo de alfabetização -, ler a Bíblia Sagrada. “Este é o meu sonho e Deus vai me ajudar a realizá-lo”, sentencia. Na Faustino Jarruche as aulas do EJA – modalidade quarto e quinto anos – são ministradas pela professora Regina Rosa.
Posição de destaque
As ações e programas de educação têm contribuído para colocar Ribeirão Preto como uma das cidades com baixo índice de analfabetismo no país. Em 2014, por exemplo, o Ministério da Educação por meio do Programa Brasil Alfabetizado, conferiu o Selo de Município Livre do Analfabetismo. Na época, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o equivalente a 97,1% da população de Ribeirão Preto eram alfabetizadas. Apenas 207 municípios do país receberam o respectivo selo.
A certificação, oferecida pelo MEC a Ribeirão Preto está prevista no Decreto nº 6.093, de 24 de abril de 2007, que dispõe sobre a reorganização do Programa Brasil Alfabetizado, visando à universalização da alfabetização de jovens e adultos de 15 anos ou mais.
Apesar do reconhecimento, Ribeirão Preto ainda tem problemas a serem resolvidos no setor. Como a melhoria na educação, principalmente na voltada para crianças e adolescentes e a prospecção de adultos que ainda não participam dos programas de alfabetização.
Este é o caso de José Ivan Gomes. Casado e pai de quatro filhos, ele acaba de decidir que irá procurar uma escola próxima a casa dele onde exista o EJA. A decisão, segundo ele, até pouco tempo ignorada em função da excessiva carga de trabalho como vendedor autônomo de porta em porta, ganhou força pela necessidade tecnológica.
Na era do computador, das redes sociais e dos aplicativos de conversa, Ivan tem tido dificuldade para se inserir no chamado mundo conectado. Para participar do Programa o interessado deve procurar uma das escolas municipais ou a Secretaria Municipal da Educação – telefone (16) 3977-9100.
Mais de 11,3 milhões de brasileiros não sabem ler
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, organizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que mais de 11, 3 milhões de brasileiros não sabem ler, nem escrever. Segundo o levantamento o número de analfabetos no país representa 6,8% da população. Esses números equivalem a quase três vezes à população do Uruguai, por exemplo.
Em relação a 2017, houve uma queda de 0.1 ponto percentual, o que corresponde a uma redução de 121 mil analfabetos. De acordo com a pesquisa, quanto mais velho o grupo analisado, maior o número de pessoas que não sabem ler, nem escrever. Em 2018, eram quase 6 milhões de analfabetos com 60 anos ou mais, o que equivale a uma taxa de analfabetismo de 18,6% para esse grupo etário. Já em 2017, a taxa foi de 19,2%, com 5,8 milhões de analfabetos.
Entre pessoas mais novas, houve uma queda do número de analfabetos: 11,5% entre as pessoas com 40 anos ou mais, 7,2% entre aquelas com 25 anos ou mais e 6,8% entre a população de 15 anos ou mais. Os resultados mostram que as gerações mais novas estão tendo mais acesso à educação.