Sempre tive a graça de ser agraciado com muitos amigos, como bom mineiro que não arrisca em nominar todos, correndo a indelicadeza e a ingratidão de um esquecimento.
Como dizia um grande escritor: “mineiro não dá nome aos bois, nem mesmo em Uberaba”.
Falarei do saudoso Dr. Pedro José Castejon Bueno, mas para todos de São Sebastião do Paraíso, o firmamento onde certamente está apenas o Zé.
Minas do Prof. Dr. Geraldo Noel Arantes, irmão caçula que me inundou a vida com Drummonds, Bandeiras, Lorcas, Nerudas, Rosas, Pessoas, agora deve estar com ele, os dois em seus longos colóquios na eternidade, sobre valores, política, cultura, educação, democracia, liberdade e o árduo e difícil existir.
Taís levou-me ao velório respeitando meu silêncio, triste e taciturno, sentado ao seu lado.
Saímos de Ribeirão, ela ao volante é claro, pois o único veículo que ouso dirigir é a minha vida e são muitos acidentes, ainda bem, nenhum mortal, apenas sequelas da existência.
Meu olhar perdido e distante pensando em Minas, morros, riachos, pinguelas, sítios, cafezais, no Zé, no tempo do nosso tempo.
E a estrada subindo e descendo, fazendo parábolas como bem definiu Edu Lobo: “Parece um cordão sem pontas, pelo chão desenrolado, unindo tudo que encontra a terra de lado a lado”.
Chegando a Paraíso o encontro com os amigos e o tempo, entre abraços, lembranças em tudo que se fala e se cala nestes momentos, inevitável seria para uma boa paulista, indagar:
– O Zé morreu de quê?
– Olha, responde o primeiro:
– A senhora não sabe, semana passada ele almoçou lá em casa, parecia pálido.
– Mas o Zé morreu de que?
– Olha doutora, engraçado que nesta semana ele não veio ao bar, fiquei preocupado, observa o velho e atencioso, Toninho Garçom.
Paramos na Praça Comendador João Alves, local da tenra infância e adolescência, enquanto mostrava os lugares saudosos e marcantes a Taís, contando reminiscências, vejo como todo passado depositado no presente, a primeira namorada do Grupo Escolar.
– Você por aqui? Quanto tempo!
– O Zé!
– Que triste! Tão novo.
Taís interfere:
– Mas Sandra, o Zé morreu de quê?
– Sabe Taís, achei meio estranho, ainda no sábado passado encontrei com ele na Banca do Estevão comprando o Estadão, como fazia todos os dias, sempre na mesma hora, me pareceu bem.
No meio das tristezas, encontramos o Flávio, doutor Flávio Joele, amigo de longas jornadas e a Taís já dando mostras de impaciência, com a voz alterada, pergunta outra vez:
– Flávio, o que foi que o Zé morreu?
O Flávio terno, amigo e mineiro, responde:
– Taís, ontem foi segunda-feira brava aqui em Paraíso, um paradeiro danado, um frio terrível de lascar, fiquei em casa vendo televisão e adormeci. Acordei assustado, um silêncio enorme, cortado apenas pela sirene da ambulância, pulei do sofá, olhei para o relógio que soava onze badaladas, pensei, deve ser o Zé.
Taís não perguntou mais nada, na estrada foi sua vez de ficar calada, durante o melancólico trajeto da volta naquele seu silêncio, notei que havia compreendido como ninguém ou como nenhum mineiro, as palavras sobre o Zé, o silêncio, os mistérios da morte.
Um Rosa, como ele também está no Paraíso, certa feita, disse:
– “As pessoas não morrem, ficam encantadas”.
E reverenciando o Zé, o Rosa e todos aqueles que vivem e ainda vão viver, humildemente digo:
– Mineiro não morre, apenas nasce.