Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão
Em uma cidade pequena, no dilapidado Cinturão da Ferrugem, mais precisamente no Estado da Pensilvânia, detetive tenta solucionar um crime ao mesmo tempo que lida com seus relacionamentos no lugar. Parece Mare of Easttown, mas é American Rust, série criada por Dan Futterman, duas vezes indicado para o Oscar, e que acaba de estrear no Paramount+, com episódios novos todas as segundas.
As comparações acabam aí. Enquanto em Mare a investigadora é uma mulher, interpretada por Kate Winslet, aqui o chefe de polícia é Del Harris, feito por Jeff Daniels. Harris é um veterano de guerra e ex-membro da polícia em Pittsburgh que foi para a pequena e fictícia Buell em busca de uma vida mais pacata. Viciado em opioides, ele precisa solucionar um assassinato que aponta para a culpa do jovem Billy (Alex Neustaedter), filho de Grace (Maura Tierney), a mulher por quem o detetive está apaixonado.
Tanto Futterman quanto Daniels afirmam não ter visto a série da HBO, um dos maiores sucessos do ano na televisão. “Eu não tinha interesse porque estávamos fazendo a nossa”, disse o ator em evento para a imprensa da Associação de Críticos de TV. “Mas coisas assim acontecem em cidades pequenas desde sempre. Só que não se falava tanto sobre isso. Era escondido.”
Tendo crescido em uma família da classe operária, em uma cidade pequena de Michigan, não muito diferente da Pensilvânia, Daniels sabia bem quem era esse homem. “Eu não só conheço, eu sou um desses homens”, afirmou. “Ser de uma cidade pequena isola você, dá a sensação de que aquele é o seu mundo inteiro. É meio claustrofóbico. E essas pessoas são consideradas menores, inferiores, não tão inteligentes quanto aquelas das costas Leste e Oeste. Dá para sentir.” Quando foi para Nova York, ele levava um pouco desse ressentimento. “Eu pensava que aqueles caras da Julliard e de outras escolas de artes dramáticas iam ver só.”
A verdade é que quase ninguém prestava atenção nessas regiões quando Philipp Meyer lançou em 2009 o livro em que a série se baseia. Mas aí veio a epidemia de opioides, em uma primeira onda em 2010 e uma segunda em 2013. E, principalmente, aconteceu a eleição de Donald Trump, com a participação decisiva do Cinturão da Ferrugem, distribuído por diversos Estados, incluindo Wisconsin, Michigan, Ohio e Pensilvânia, que tinham votado no democrata Barack Obama em 2008 e 2012 e escolheram Trump em 2016 Todos esses lugares tinham sofrido com as perdas de indústrias, especialmente as metalúrgicas, tinham altos índices de desemprego e uma grande proporção de pessoas brancas sem educação superior. A mistura de falta de trabalho e de perspectivas, pobreza, êxodo, abriu espaço para a epidemia de opioides, que devasta a região, um grande ressentimento e saudade de outras eras de mais prosperidade. Desde então, a região começou a pipocar nas telas, em produções como Era uma Vez um Sonho, com Glenn Close e Amy Adams, e Cherry, de Joe e Anthony Russo. Todo mundo quer entender o que tinha acontecido nesses lugares como forma de compreender a eleição de Trump.
American Rust leva tudo isso a sério – até demais, às vezes. Del Harris sabe que as instituições são falhas e colocar um jovem como Billy na cadeia significa acabar com seu futuro. E, claro, está apaixonado pela mãe do rapaz. Mas esses são dilemas reais para um homem que acredita no certo e no errado e no Estado de Direito, um tipo de personagem que Jeff Daniels tem se especializado em interpretar. Com a reabertura da Broadway, em outubro volta a encarnar Atticus Finch em To Kill a Mockinbird, adaptação de Aaron Sorkin para a obra de Harper Lee. E recentemente ele interpretou o diretor do FBI James Comey, demitido por Donald Trump, na minissérie The Comey Rule, também disponível no Paramount+.
“Neste país, parece que é preciso lutar pelo que é certo. Talvez o certo não importe mais, nem a verdade. Ou fatos. É o que temos vivido nos últimos anos”, disse Daniels.
Não é muito diferente também de outro personagem que ele interpretou, o jornalista Will McAvoy de The Newsroom, da HBO. A televisão tem sido boa para Jeff Daniels. “É culpa do James Gandolfini”, afirmou o ator. “Família Soprano mudou a televisão. De repente, não era mais TV ou cinema. Porque na época de Robert Redford, Dustin Hoffman, Robert De Niro, você não se rebaixava.” Daniels sempre fez televisão e sempre achou que ia terminar na TV. “Eu não poderia estar mais feliz, porque continuei trabalhando e ainda pude fazer papéis desafiadores.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.