Adriana Dorazi – especial para o Tribuna Ribeirão
O Brasil tem cerca de 203 milhões de habitantes de acordo com o Censo de 2022. Agora imagine esse número de pessoas distribuídas mundialmente com sintomas de alergia alimentar, a maioria criança. É a estatística da Organização Mundial da Saúde (OMS): de 200 a 250 milhões de pessoas sofrem com alergia de diferentes intensidades a um ou mais tipos de alimento.
Enquanto o assunto é preocupante e com impactos significativos na saúde pública, muita gente nem sabe que pode estar no prato a origem de desconfortos e doenças. Segundo o médico Fábio Dias, assistente da Divisão de Imunologia e Alergia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC/FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), essa condição alérgica atinge principalmente a faixa etária infantil entre 0 e 6 anos, em torno de 5% a 10% dessa população.
Com o aumento da idade, essa porcentagem diminui, mas varia de acordo com o fator desencadeador. Na última semana a USP realizou uma semana de debates sobre o tema. Para o chefe da Divisão de Imunologia e Alergia Pediátrica do HC/FMRP, professor Pérsio Roxo Júnior, esse momento de conscientização é muito importante para que as pessoas tenham o conhecimento sobre a doença, pois há aumento do número de casos no mundo.
“É um problema iminente de saúde pública, muitas vezes silencioso, mas que pode se manifestar depois da ingestão direta ou indireta de alguns alimentos, causando quadros leves ou até graves como a anafilaxia (reação alérgica aguda)”. Ainda de acordo com o professor, quadros graves podem ser até mesmo fatais, por isso, é essencial saber identificar e prevenir da maneira correta.
Identificação e cuidados
A médica Patrícia Schiavotello Stefanelli, assistente da Divisão de Imunologia e Alergia Pediátrica do HC/FMRP, diz que alimentos como o leite de vaca, ovo, soja, trigo, amendoim, castanhas, peixes, frutos do mar, sementes e frutas como a banana podem ser os causadores dos sintomas de alergia.
Além disso, é importante ficar atento, pois pode se tratar de predisposição genética. “Crianças com dermatite atópica ou que tenham pais ou irmãos com algum tipo de doença alérgica têm maior risco de desenvolver alergia alimentar”, diz. Segundo Patrícia, outros fatores, como a alteração do meio ambiente, estilo de vida com menor contato com a natureza e o excesso da ingestão de alimentos ultraprocessados, pobres em fibras, quando estão associados ao fator genético, podem estar relacionados ao diagnóstico futuro da alergia.
Sobre os sintomas de alergia alimentar, o médico Fábio Dias relata que os mais comuns estão relacionados à pele, ao sistema respiratório, o estômago e o intestino e, ainda, aqueles relacionados ao coração e vasos sanguíneos, que são os cardiovasculares. “É importante ficar atento aos sintomas e procurar atendimento médico sempre que necessário”, frisa.
Como forma de prevenção, os pacientes devem se informar adequadamente sobre os componentes alergênicos de produtos e de alimentos que estão sendo ingeridos. Por isso, é importante ficar atento aos rótulos dos alimentos, afirma a médica Laura Brentini, residente da Divisão de Imunologia e Alergia Pediátrica do HC/FMRP.
“Em relação aos alimentos embalados, os rótulos se tornam o principal meio de comunicação, pelo qual o fabricante pode informar o consumidor se tem ou não a presença daquele alérgeno. Com isso, nós devemos ficar sempre atentos aos rótulos para prevenir reações em pacientes que tenham alergia a determinado alimento”, conclui.
Crescente Desafio de Saúde Pública
Dados recentes indicam que a prevalência de alergias alimentares tem aumentado nas últimas décadas. O diagnóstico é feito através de combinação de histórico médico, testes cutâneos e exames de sangue, com alguns casos exigindo testes de provocação oral sob supervisão médica.
Para muitos, as alergias alimentares representam fardo constante. O principal método de manejo é a evitação dos alimentos desencadeantes. A leitura cuidadosa dos rótulos e a conscientização sobre contaminação cruzada são cruciais. Para reações graves, a epinefrina auto-injetável é essencial. “A educação dos pacientes e suas famílias é fundamental para evitar incidentes”, ressalta Laura.
Pesquisas e Esperanças Futuras
Apesar dos desafios, há esperança no horizonte. Pesquisas sobre imunoterapia oral, que envolve a introdução gradual de pequenas quantidades do alérgeno para aumentar a tolerância, estão mostrando resultados promissores. “Estamos otimistas de que, em alguns anos, poderemos oferecer novas opções de tratamento que melhorem significativamente a vida dos pacientes”, comenta a médica.
Sintomas da alergia alimentar
Os sintomas de alergia alimentar podem aparecer minutos ou horas após a ingestão do alimento e podem incluir:
– Reações Cutâneas: Urticária, coceira, eczema
– Problemas Gastrointestinais: Dor abdominal, diarreia, náusea, vômito.
– Sintomas Respiratórios: Congestão nasal, espirros, tosse, dificuldade para respirar.
– Reações Anafiláticas: Em casos graves, pode ocorrer anafilaxia, uma reação potencialmente fatal que requer tratamento médico imediato. Os sinais incluem dificuldade para respirar, inchaço na garganta, queda de pressão arterial e perda de consciência.
Leite de vaca: entre os alimentos que mais provocam alergia em crianças
A reportagem do Tribuna Ribeirão conversou com Beatriz Martins Secches, pediatra imunologista. Ela destaca que as alergias alimentares mais comuns em crianças estão presentes especialmente na população menor de 5 e 6 anos. “Normalmente, estão relacionadas a ingestão ou contato com o leite de vaca, que tem o percentual mais elevado entre as alergias. Mas também ao ovo, soja, trigo e amendoim, além de outras castanhas. Alergia a peixe, frutos do mar e algumas frutas, legumes e corantes alimentícios também ocorrem, mas são menos comuns”, explica.
De acordo com a médica os sinais e sintomas relacionados a uma reação alérgica grave, também conhecida como choque anafilático ou anafilaxia, normalmente são tosse, falta de ar ou desconforto respiratório, como se a garganta estivesse “fechando”, surgimento de manchas avermelhadas pelo corpo que coçam muito, sensação de desmaio ou queda de pressão, inchaço nos lábios e língua, além de dor abdominal e vômitos.
“Esses sintomas acontecem após um curto período de tempo entre a exposição ao alimento suspeito e o paciente que é alérgico. Normalmente, o paciente sabidamente alérgico, já foi orientado pelo seu médico como reconhecer a reação alérgica grave e também tem em mãos um plano de ação de como proceder nestes casos. Mas, a orientação é, mesmo que já medicado seguindo esse plano, deve procurar um hospital imediatamente. Nos casos suspeitos a recomendação é a mesma, não perder tempo”, destaca
Beatriz alerta que em casos extremos há risco de morte. “Na maioria dos casos com o passar do tempo desenvolvemos o que chamamos de tolerância àquele alimento, ou seja, o paciente consegue voltar a ingerir o alimento ao qual era alérgico. Esse processo é gradual, individualizado e deve ser acompanhado pelo médico especialista que fará as orientações adequadas e exames necessários. Infelizmente, em alguns casos, o paciente permanece alérgico a vida toda. Mas, são casos mais raros”, frisa.
A especialista afirma que a alergia alimentar tem se tornado uma doença cada vez mais comum e que também tem aparecido cada vez mais precocemente. Com o surgimento de novos estudos envolvendo esse tema, vamos conhecendo mais sobre a doença e também fazendo diagnósticos mais precoces.
Uma das orientações feitas na fase da introdução alimentar dos bebês, que acontece após o sexto mês de vida, é a de não postergar a oferta de alimentos antes tido como mais alergênicos, como ovos e peixes. “Existe um termo chamado janela imunológica que é o período do 6º ao 10º mês de vida, aproximadamente, em que o sistema imune está se desenvolvendo e, portanto, mais propenso a “aprender”, sem estranhar ou reagir a novas proteínas que são introduzidas na alimentação. Mas, tudo isso deve ser orientado pelo pediatra da criança, além de se levar em conta os antecedentes familiares de alergias”, conclui Beatriz.