Por Marcius Azevedo
Marquinhos vivia na zona de conforto no Flamengo. Era ídolo, campeão de tudo, exercia em quadra o papel que fosse necessário. Nada disso fez o jogador refutar um novo desafio. Aos 37 anos, ele aceitou uma proposta para se tornar o líder do projeto do São Paulo. O time já figurava entre os grandes do Brasil com apenas três anos, mas ainda não havia sido campeão. O ala chegou e ajudou na conquista do Paulista. O título permitiu o fortalecimento da equipe.
Agora, sete meses depois de sua estreia e na briga para faturar NBB e Champions League Américas, Marquinhos vê o projeto consolidado. Em entrevista ao Estadão, o ala reforça que o clube trabalha com limitações no orçamento em relação aos principais rivais e que espera um patrocinador para que o basquete possa caminhar com suas próprias pernas.
Foram nove anos no Flamengo… Já se sente em casa no São Paulo?
O clima é muito bom. Conhecer pessoas novas foi essencial para o momento da minha carreira. Estava querendo um desafio novo. Logo no primeiro mês eu já estava me sentindo em casa. Estou muito à vontade. Os meus números (tem médias de 18 pontos, 5,4 rebotes e 3,2 assistências no NBB) e os do São Paulo estão demonstrando isso.
Aos 37 anos, você aceitou o desafio de liderar uma equipe nova no cenário, que buscava o primeiro título. Teve dúvida em algum momento?
Zero dúvida. Todo profissional, não apenas o atleta, precisa de novos desafios. No meu caso não era diferente. Era uma equipe que precisava ser campeã. Conseguimos isso no Paulista. Batemos na trave, perdendo no último arremessos, na Copa Super 8, que seria outro título inédito. Estamos indo bem Champions League Américas e no NBB estamos dentro no nosso objetivo, que é ficar entre os quatro. Então, zero medo, estou muito feliz. Gosto de desafio.
O título do Paulista serviu para tirar um pouco do peso ou fez aumentar ainda mais a pressão?
Tem os dois lados da moeda. Claro que existia uma pressão enorme no São Paulo pelo time ter sido vice-campeão do NBB, da Copa Super 8 (na temporada passada)… O São Paulo tem suas limitações, não investe tanto quanto Flamengo, Franca e Minas, mas, dentro de suas limitações, está conseguindo resultados expressivos. É apenas o terceiro ano no NBB e nenhum clube conseguiu os feitos que o São Paulo teve em tão pouco tempo. Mostra que o trabalho está sendo bem feito, tem toda uma estrutura. O clube vem comprando essa ideia de como é disputar um campeonato de alto nível no Brasil. E tem o outro lado de te deixar mais relaxado para continuar fazendo bonito, brigando, sempre dentro das limitações.
Hoje você vê o projeto do basquete no São Paulo consolidado ou ainda corre risco de acabar?
A diretoria passa total confiança, dá tudo o que precisamos para representar bem o clube. O que posso dizer é que no Brasil é muito difícil fazer basquete. Não tem todos os patrocinadores do futebol, que é o carro-chefe do País. O basquete não tem tantas medalhas quanto o vôlei. Precisamos nos reinventar todos os anos Às vezes viver com o que temos. Então, como jogador, vejo o projeto consolidado. Tenho certeza de que subiu um pouquinho de patamar neste ano. O próximo ano é subir mais. Espero que possamos conseguir um patrocínio próprio. Isso iria ajudar muito, daria um alívio na carga financeira do clube. Vejo coisas muitos boas para o São Paulo no basquete nos próximos anos.
Você citou o investimento de Flamengo, Franca e Minas… Como fazer para bater de frente com essas equipes e superá-las?
Na fase regular (do NBB) é muito difícil você brigar com essas equipes. Eles têm dois, três jogadores para cada posição. O nosso planejamento é ficar entre os quatro e, quando chegar lá nos playoffs, quando se decide tudo, estar bem fisicamente, inteiro. Nos playoffs temos um campeonato de curta rotação, são sete, oito jogadores no máximo entrando em quadra por jogo, e, nesta briga, podemos ir bem. É um minicampeonato em dois meses e é onde podemos surpreender.
O ginásio do Morumbi tem sido um grande aliado… São 11 vitórias seguidas no NBB em casa…
É visível como o torcedor são-paulino tem um carinho especial com o basquete. Eu pude ver isso nas finais do Paulista, quando eles foram fundamentais na reta de chegada. Eles serão muito importantes daqui para frente, agora na reta final do NBB, nos playoffs e na Champions League Américas… É muito legal esse carinho que eles criaram com o basquete em tão pouco tempo.
Pouco depois do título paulista, o técnico Claudio Mortari deu lugar ao filho… Mudou muita coisa com o Bruno?
Ele está praticamente desde o começo do projeto. O Bruno conhece os atalhos, era o auxiliar juntamente com o Enio Vecchi. Segue o trabalho do pai, mas com um olhar um pouco diferente por ter sido jogador, tem uma certa proximidade, sabe o que os jogadores que estão no elenco gostam mais. Esse é o segredo do Bruno até aqui, indo bem na Champions, no NBB… Quase beliscando o Super 8.
Você jogou com o Bruno no Pinheiros… Isso é uma vantagem?
Eu não dou trabalho para ninguém (risos). Mas claro que ele tem um pouco mais de confiança em mim. Sabe como eu gosto de decidir as bolas, de como eu gosto de jogar. Ele faz um bom trabalho e está evoluindo como treinador.
Na lista do Jogos das Estrelas deste ano, que acontece em março, agora você aparece como lenda… Já estão te aposentando?
O jogador está ciente do que está acontecendo. No meu caso, eu conversei com o pessoal do NBB. Cogitei até não participar do Jogo das Estrelas. Eu coloquei na minha cabeça, assim como seleção, que era o momento de focar mais no clube, tentar me cuidar porque é uma temporada muito longa. Anteriormente eu não jogava o Paulista e são três meses de um campeonato intenso, você praticamente chega no auge para o NBB. Aí começam muitas viagens, tem Champions, emenda um campeonato no outro. E quando chega esta parte da temporada que eu gosto de me preparar, que é março e abril, onde tudo se decide, posso chegar baqueado. Então abri essa possibilidade de não participar, mas eles me apresentaram essa proposta de eu, Shamell, até como uma despedida, sermos uma lenda do Jogo das Estrelas e eu aceitei.
Você falou de preparação. Precisou mudar alguma coisa para seguir jogando em alto nível aos 37?
Você precisa ter uma certa mudança. Claro que, por natureza, não sou um cara baladeiro, não sou um cara de beber. Se você pegar o meu histórico de lesão nos últimos anos é quase zero, são apenas dores crônicas, no joelho, na lombar. Eu continuo numa crescente Esse ano consegui manter o meu nível, fugi das lesões. Perdi apenas um jogo e por covid. Esse é o segredo para se ter uma carreira tão longa. Eu escolhi ser atleta de alto rendimento. Você tem um preço para pagar. Claro que, quando estou de folga, dá para tomar uma cervejinha, comer um churrasco com os amigos, mas tudo com um limite. Sou ciente de que o meu corpo é o meu instrumento de trabalho.
Sente falta da seleção? Ou é missão cumprida?
Claro que é sempre aquela resenha boa, encontrar os jogadores das outras equipes, mas é coisa de dois, três dias e já passa. A rotina é bem pesada. Você acaba treinando muito mais do que no clube, os jogos são sempre muito pegados. Acaba perdendo um pouco da preparação diária do clube. Mas eu vejo como missão cumprida. Eu representei o Brasil desde as categorias de base. Foram quase 20 anos na seleção. E fora que o nosso calendário é muito ruim. Você joga de agosto até maio e, teoricamente quando é o seu momento de férias, você está na seleção, acaba emendando uma temporada na outra, você não tem aquele período para recuperar o corpo. Essa parte eu sinto zero falta. Mas claro que representar o Brasil sempre foi um sonho e pude realizá-lo.
Queria te perguntar do Lucas Bebê. Ele disse que estava aposentando, voltou a jogar pelo São Paulo, mas teve uma curta passagem. É possível explicar o que aconteceu?
O Lucas é um cara extraordinário fora da quadra, tem uma cabeça muito boa. Como atleta, o que posso dizer, é que ele sofreu muito com lesões. No Paulista, ele teve um estiramento em um nível alto, arrebentou praticamente tudo no (músculo) posterior (da perna direita) e isso o desmotivou para continuar com o grupo para o NBB. A parte financeira também pesou um pouco. Mas eu estive em contato com ele recentemente e tive uma notícia muito boa. Ele está em Miami, treinando, está querendo voltar. Emagreceu mais de 10 quilos. Eu vi uns vídeos dele e fiquei muito feliz. Parece que já tem proposta da Ásia. Ele ainda vai surpreender muita gente.
Para finalizar, vi no seu Instagram que está aprendendo a nadar… Que história é essa?
É uma história bem legal. Eu sempre ficava falando com a Mari (Mariana Brochado) que ela tinha de me ensinar a nadar. Para quem não sabe, a minha mulher foi nadadora olímpica (participou dos Jogos de Atenas-2004). Ela tem toda uma técnica apurada e eu ficava perguntando como você faz isso? Como faz aquilo? Eu ficava falando que ela tinha de me ensinar a nadar, mas nunca tivemos oportunidade. A gente morava no Rio e não tinha como me ensinar na praia. Agora, aqui onde estamos morando em São Paulo, perto do clube, o condomínio é legal, tem piscina com raia olímpica e eu tive essa ideia de ela me ensinar. Na primeira aula eu já melhorei um pouquinho. Tem toda uma técnica. Aprendi a nadar com o meu pai me jogando na represa, era de qualquer jeito para ficar vivo. Hoje, quero aprender os gestos da natação, porque é mais um esporte que posso agregar.