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‘Ainda há juízes em Berlim’

A frase acima é um jargão e, por isso, rotineiramente volta a ser invocada nos momentos de crise e de ataque ao Estado Democrático de Direito, mesmo sendo anterior a revolução francesa. Sua origem é atribuída a François Andrieux, no conto “O moleiro de Sans-Souci”.

O fato narrado retrata a oposição de um cidadão humilde que desafia o poder do Kaiser Frederico II, então governante da Prússia, para com o seu direito de propriedade de um moi­nho familiar em contraposição com os interesses de desapro­priação da área para majoração do terreno do castelo.

O importante é que o “Rei”, que havia trazidos os princí­pios iluministas, notadamente o de independência do judi­ciário em relação ao despotismo do executivo, respeitou o direito de um simples “mortal” que embasou a negativa de retirada de seus direitos de propriedade, com base no fato de “ainda há juízes em Berlim”, ou seja, que ao Poder Judiciário, ao qual cabe a função de dar eficácia à lei, incube a missão de impor limites ao exercício ilegal e arbitrário do governante.

Mas qual a relação com o Brasil de hoje? Nunca se fez tão necessário o funcionamento do poder judiciário para garantir a aplicação dos direitos e garantias previstos na Constitui­ção de 1988, sem submissão ao executivo e exatamente para contrapor os abusos cometidos nas últimas Medidas Provisó­rias ou em leis que têm como objetivos a retirada de direito conquistados ao longo de séculos.

Nos últimos anos, vimos o ataque visceral aos trabalhado­res e seus direitos. Primeiro, a famigerada reforma trabalhista que reduziu, de forma significativa, o acesso à justiça, inclusi­ve com partes consideradas inconstitucionais pela justiça.

Depois, a tentativa de sucateamento dos sindicatos, com o enfraquecimento das suas participações nas negociações coletivas, valorizando o acordado sobre legislado, mas com possibilidade de supressão de direitos por meio de acordos individuais.

Um conjunto da obra que levou o país a um nível de in­formalidade assustador e a total submissão da classe trabalha­dora ao poder do capital. Ora, que trabalhador isoladamente terá capacidade e coragem de se contrapor a sua fonte de sobrevivência, com o medo e o risco de ser demitido e sequer pagar as contas básicas e sustentar sua família.

Mais recentemente, na última segunda-feira, dia 23 de março, o governante, para enfrentar a crise do covid-19, pu­blicou a MP 927/2020, que previa o absurdo de suspensão do salário por quatro meses, o que foi imediatamente repudiado pela advocacia e pela justiça trabalhista, levando o próprio agente a revogar seu ato de barbárie.

Por fim, coube especialmente à Justiça do Trabalho a fun­ção de enfrentar o abuso e o poder dos mais fortes e garantir condições mínimas à enfraquecida classe trabalhadora. Estão sendo exatamente as decisões desses juízes de Berlim, a últi­ma trincheira entre o cidadão e a força do déspota e do poder econômico quer seja para garantir o pagamento de salários quer seja para reduzir a exposição e o contágio de vírus que causa mortes no mundo todo.

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