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Ah! Se não fosse o Sócrates

Minhas andanças por aí na companhia de Sócrates renderam histórias e, de vez em quando, abro a gaveta de minha memória para botá-las no papel. Conheço um bocado de artistas que usaram de tudo que é jeito para se tornar famosos e depois, quando conseguem notoriedade, menosprezam os fãs.

Sócrates lidava muito bem com a fama, nunca o vi fazer pouco de alguém. Nem mesmo aquele fã chato, grudento, que não tinha “simancol”. Magrão tirava de letra – ops, de calcanhar. Quando ficava sabendo de algum cara conhecido que agia dessa forma, ficava uma fera.

Certa feita, estávamos na praia dando um banho na garganta. Perto da gente havia uma galera de Goiânia, todos queriam uma aproximação, mas estavam com receio. Até que um foi chegando maneiro, Sócrates deu uma abertura e o goiano parecia ter ganho na loteria. Fez muitas fotos, pediu autógrafos e transferiu sua barraca para perto da gente. Não deixava faltar pra nós a sagrada cerveja praieira.

Junto com a gente estava um pessoal da cidade de Americana que conhecemos ali, e no meio deles um folgado querendo holofotes disse para o goiano: “Você não está me reconhecendo?” O caboclo sorriu meio que sem graça e o cara prosseguiu: “Eu sou o Mauricinho”.

Eu e Sócrates ficamos constrangidos, pois ninguém melhor que nós para reconhecer Mauricinho, um craque. Vimos ele surgir no nosso Comercial F.C., brilhou no Vasco da Gama, Flamengo, grandes times europeus. O cara de Goiânia já tinha tomado algumas geladas e já viu, né? Praia é praia, na areia tudo é motivo de festa, alegria e ele ficou mais feliz ainda dizendo que seu dia foi demais.

Numa tacada só conheceu dois craques, fez fotos, tirou a maior onda. Sócrates não desmentiu o sujeito na hora pois poderia magoar o fã, mas assim que pintou uma chance deu no sujeito uma tremenda dura. Passou-lhe o maior sabão: “Nunca mais faça isso, não devemos destruir o sonho de um fã, imagine quando ele mostrar as fotos pra alguém e descobrir que foi enganado?”, disse Magrão.

O falso craque ainda argumentou que, em Americana, seu apelido era Mauricinho, pois diziam parecer muito com ele, mas só piorou seu conceito no pedaço. Aí só restou ao sujeito se mandar dali. Ainda sobre a fama, vejam essa. Sócrates contou-me que fora convidado para uma festa de jornalistas em Sampa, foi com o amigo Juca Kfouri. Conversa aqui, conversa dali, ele viu uma moça alta e loira se aproximar. A mulher já foi se abrindo: “Sócrates, eu já fui sua namorada”.

O Doutor levou um tranco, e rindo, disse: “Mas como é que eu não sei disso?” Depois de rirem um bocado ela esclareceu que estava cobrindo a Guerra do Golfo para uma revista brasileira e que rolava o maior rebu ali na divisa Irã-Iraque, havia jornalistas do mundo inteiro. “Os soldados iraquianos, desconfiando de todos, cismaram comigo, me colocaram numa sala isolada. Eu nada entendia, porque eu? Perguntava pra mim mesmo, ninguém vinha conversar comigo e eu não sabia o que poderia me acontecer pois estava no meio de uma guerra”, disse a moça.

“Depois de horas a porta se abre, entra um oficial iraquiano que num tom áspero perguntou se eu era americana. Aí matei a charada”, disse ela. “Eu, loira e alta, até que parecia America e fui logo dizendo: ‘Não, sou do Brasil”. Quando ela falou Brasil, o oficial mudou o semblante e até sorriu. Disse ele: “Brasil? Zico, Falcão, Sócrates?”

A loira continuou: “Naquele momento lembrei-me que tinha no meio da minha agenda uma foto sua Sócrates, disse pro oficial que era sua namorada e mostrei sua foto, o cara explodiu de alegria, pegou o retrato e saiu gritando para seus comandados: ‘Ela é do Brasil, é namorada do Sócrates, ela é namorada do Sócrates’. Passei a ter tratamento vip em plena guerra, vieram mil pedidos de desculpas e por onde ia me sentia a rainha da cocada preta, tudo por ser sua namorada, Sócrates.”

O Doutor, brincando, disse: “Sou pouco valorizado”. Magrão contava esta história e se divertia à beça. Ah, se não fosse o Sócrates.
Sexta conto mais.

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