Sérgio Roxo da Fonseca *
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Taís Costa Roxo da Fonseca **
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Os meios de comunicação atualmente insistem em noticiar que os órgãos governamentais desenvolvem um grande trabalho no sentido de privatizar a exploração do tratamento de água e esgoto. O noticiário apesar de ser surpreendente não tem causado grande espanto.
Não é necessário acrescentar que esse serviço público não é prestado em favor de um grande número de brasileiros quando muito servido de forma humilhante, transmitindo para a população mais pobre uma carga sofrida de doenças.
Ainda assim, os estudiosos do Direito Urbanístico lecionam que o tratamento de água e esgoto e a sua distribuição configuram não apenas a prestação de um serviço público relevantíssimo não podendo suportar um processo de privatização.
O homem escreveu uma história extraordinária para petrificar uma certeza segundo a qual a humanidade dos tempos modernos não tem como sobreviver sem consumir a água e sem receber o tratamento de esgotos. Daí resultar o caráter público desse ainda pouco conhecido Direito à Cidade.
Esse direito não se confunde com o direito que cobre e recobre bens individualizados como, por exemplo, o de propriedade de bens privados, como especialmente o que titula a propriedade de prédios para a sua moradia. Os ingleses inauguraram as regras do Direito à Cidade hoje aplicado por quase todos os países ocidentais, inclusive por aqueles que nem mesmo têm notícia de sua existência.
Seguramente o direito à propriedade privada já existe alguns séculos antes do Direito à Cidade, daí a dificuldade de encontrar até mesmo obras que teorizem a sua aplicação.
Um de suas regras novas distingue a individualização do direito de propriedade e a legitimação do homem comum para encontrar portas abertas do Judiciário para debater as regras eos postulados jurídicos que devem proteger e a amparar o Direito à Cidade. Mesmo no Brasil, a estrutura jurídica já reconhece o direito do cidadão comum debater, até mesmo solitariamente, contra atos cometidos ou não cometidos pelos órgãos públicos, e até mesmo aqueles que amparam o Direito à Cidade perante o Poder Judiciário.
A vida e o seu entorno dependem seguramente do recebimento diuturno da água e do esgoto cientificamente tratados. Esse direito, que completam o “direito à vida e à sobrevivência humana” somam o conjunto da proteção jurídica administrada pelos órgãos do Estado moderno. A vida e o seu entorno estão protegidos nos nossos tempos até mesmo pela atuação dos serviços militares e policiais.
Trata-se do direito à vida que, dada a sua relevância tem de ser ministrado como bem público. A nossa memória guarda para sempre a sentença inesquecível de um grande médico: “esse serviço salva mais vida do que a vacinação obrigatória”.
O serviço resultante da administração da água e dos esgotos é público e necessariamente é público resultante da proteção dada à humanidade.
Pode o órgão público contratar empresas privadas, por licitação, para prestar esse serviço sob a vigilância do órgão contratante e de toda a sociedade?
Os órgãos públicos podem e devem contratar empresas privadas, por licitação, dentro do regime jurídico definido pela lei brasileira. O que não podem e não devem é privatizar o seu poder/dever de manter sob seu serviço a proteção dos homens, das mulheres e das crianças quanto à distribuição de água tratada e do esgoto permanente.
* Advogado, professor livre docente aposentado da Unesp, doutor, procurador de Justiça aposentado, e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras
** Advogada