Mesmo em meio à pandemia, o Judiciário vem conseguindo manter a produtividade. Apesar das dificuldades iniciais causadas pelas restrições sanitárias, as mudanças significativas adotadas por magistrados e servidores permitiram o bom funcionamento dos tribunais.
Somente o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) realizou, do início da pandemia, em maio de 2020, até o final de junho, mais de 466 mil audiências – presenciais e virtuais. Esse número se refere às áreas Cível, Criminal, Execução Fiscal, Infância e Juventude e juizados Criminal, Cível e da Fazenda Pública.
O resultado, no entanto, poderia ser ainda melhor. Um dos grandes problemas enfrentados pelo Poder Judiciário atualmente é o aumento do ajuizamento das demandas repetitivas, ações, algumas vezes fraudulentas, que se aproveitam da falta de conhecimento dos cidadãos, na busca de pretensões sem base fática-jurídica e gratuidade da Justiça.
“Muitas dessas ações são verdadeiras aventuras jurídicas, aquilo que se convencionou chamar de uso predatório do Poder Judiciário”, afirma o juiz Heber Mendes Batista, da 4ª Vara Cível de Ribeirão Preto (SP).
O magistrado revela que esses casos, via de regra, pedem gratuidade de Justiça, mesmo que muitas vezes sem ter tal direito, o que exige tempo para análise e deferimento. “Mais de 80% são ações infundadas, ou seja, improcedentes, e que tomam o tempo do Judiciário em detrimento de questões que verdadeiramente deveriam estar em juízo”, diz Heber.
A juíza Paula Jacqueline Bredariol de Oliveira, da 1ª Vara Cível de Marília (SP), analisa de forma semelhante. Para ela, essas ações provocam alto impacto na máquina judiciária e desviam a força de trabalho necessária ao enfrentamento da carga de processos existentes, além de tenderem a provocar certa automatização de decisões e sentenças.
“A advocacia predatória, consistente no ajuizamento de ações em massa, com petições padronizadas e genéricas, acabam por subtrair o tempo e dedicação do Poder Judiciário que seria dedicado àquelas causas que, de fato, anseiam pela prestação jurisdicional e pacificação social”, destaca a magistrada.
Geralmente essas ações têm como réis instituições financeiras, visando discutir tarifas e descontos com valores extremamente baixos. E os envolvidos, na maioria das vezes aposentados de baixa renda, nem sempre têm conhecimento das demandas. “Muitos até se surpreendem. Infelizmente temos nos deparado com situações nas quais o cliente alega não ter assinado nenhuma procuração autorizando a ação”, revela o advogado Alexandre Leite, do escritório Rocha Leite Advogados, de Ribeirão Preto (SP), que atua na área do Direito Empresarial.
Embora ilegal, uma vez que afronta o sigilo fiscal e bancário, o acesso a essas informações na maioria dos casos tem como origem ‘vazamentos’ irregulares das próprias instituições financeiras, empresas privadas e até mesmo do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Para coibir a conduta repetitiva, o Judiciário tem buscado acompanhar de perto o problema. Há cinco anos, a Corregedoria Geral de Justiça (CGJ) criou o Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede), para centralizar informações sobre distribuição de ações, perfis de demandas e práticas fraudulentas reiteradas, com o objetivo de permitir melhor conhecimento da realidade que permeia a realização de trabalhos pelas unidades judiciais e, consequentemente, a escolha das melhores estratégias para enfrentar os respectivos problemas e, ainda, centralizar informações como mecanismo para potencializar sua divulgação à comunidade jurídica.
Além disso, os magistrados têm também adotado medidas para afastar as ações temerárias, com a devida cautela para que jamais seja impedido o direito do cidadão de buscar a tutela do Estado, direito constitucionalmente assegurado.
“Temos buscado, na rotina forense, analisar cada caso de maneira específica, identificando aqueles que exponencialmente apresentam carga de litigiosidade em massa. Casos extremos podem ser melhores apreciados com a designação de audiência, por exemplo, para apurar a validade da assinatura em procuração ou o conhecimento da pessoa quanto ao processo, juntada de procuração com firma reconhecida, cautela na homologação de acordos extrajudiciais que não tiveram a participação da parte, ou seja, um trabalho constante”, revela a juíza da 1ª Vara Cível de Marília, Paula Oliveira.
Em Ribeirão Preto, não é diferente. “O que temos feito é checar se a parte de fato outorgou procuração ao advogado, se reside em Ribeirão Preto, para ver se o foro daqui é competente, além de outras diligências necessárias para checar a veracidade do quanto se alega na ação. Também comunicamos ao Numopede para divulgação no nome do advogado para todos os juízes do estado de São Paulo, para terem ciência e cautela redobrada, como também comunicamos a OAB para apuração de infração ética por parte do advogado”, esclarece Heber Batista.
“Esse tipo de demanda seguramente tem congestionado o foro cível de todo o estado. Juízes estão gastando o seu tempo com demandas artificiais, inventadas, fabricadas, que verdadeiramente não deveriam estar em juízo”, finaliza o magistrado.
Em Ribeirão, advogados foram alvos da Operação Têmis
Quatro advogados e o funcionário de uma associação foram presos na manhã do dia 11 de janeiro de 2018, durante a Operação Têmis – deusa da Justiça –, deflagrada pelo Centro de Inteligência da Delegacia Seccional de Polícia Civil e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual (MPE). Eles eram suspeitos de articular fraudes judiciais da ordem de R$ 100 milhões contra instituições financeiras. Cerca de 53 mil ações impetradas pelo grupo tramitavam à época, em cinco Varas Cíveis do Fórum Estadual de Justiça da cidade.
No dia, sete mandados de prisão preventiva e 13 de busca e apreensão, foram cumpridos. Todos na cidade de Ribeirão Preto. As buscas foram realizadas em nove residências e quatro escritórios, um deles de advocacia. Foram presos os advogados Renato Rosin Vidal, Klaus Philipp Lodoli, Angelo Luiz Feijó Bazo e Ramzy Khuri da Silveira. Luiz Felipe Naves Lima, funcionário da Associação Pode Mais Limpe seu Nome, também foi preso. Ruy Rodrigues Neto, presidente da entidade, e Gustavo Caropreso Soares de Oliveira, advogado, foram considerados foragidos pela Polícia Civil e pelo Ministério Público Estadual e se entregaram no Fórum de Ribeirão Preto, dias depois.
Posteriormente, em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela soltura dos envolvidos.
A investigação
À época, a investigação apontou que foram distribuídas milhares de ações judiciais para o cumprimento de sentença em diversas comarcas do Estado de São Paulo, 53 mil somente em cinco Varas Cíveis de Ribeirão Preto, informando sobre suposta diferença de expurgos inflacionários decorrentes dos planos econômicos Collor, Bresser e Verão, cujos titulares seriam à época poupadores do extinto Banco Nossa Caixa e incorporado pelo Banco do Brasil S/A.
Os advogados distribuíam as ações e solicitavam o segredo de justiça para evitar que terceiros verificassem eventual litispendência ou homonímia. Verificou-se que os supostos autores das ações possuem nomes comuns, com diversos homônimos, não comprovando vínculo pessoal ou profissional com o domicílio das contas ou as comarcas onde foram distribuídas as ações e na verdade apurou-se que não eram os verdadeiros correntistas. Com isso a fraude processual baseada em quebra de sigilo bancário e subsequente captação de clientela, induziu a erro o Poder Judiciário e poderia ocasionar prejuízo estimado aos bancos em R$ 100 milhões.
À época, os envolvidos negaram o crime.
Outro citado nas investigações foi o vereador Isac Antunes (PL). A denúncia foi de envolvimento do parlamentar com os advogados e a associação na campanha eleitoral de 2016, com o serviço “Limpe Seu Nome” utilizado pelo movimento Muda Ribeirão. O objetivo seria de projetar o nome de Antunes. Na ocasião, o vereador utilizou-se das redes sociais para dizer que sua campanha foi feita de maneira clara e honesta e que “não tenho em absolutamente nada com a Operação Têmis”.