Adoniran Barbosa e Carlinhos Vergueiro, dois compositores brasileiros puros-sangues, ambos sambistas à moda antiga. Demorou muito para que este encontro se concretizasse, mas, quando aconteceu, nasceu um belo samba, que conto no final deste texto.
Carlinhos Vergueiro tem seu sobrenome ligado a uma estação do Metrô, Estação Vergueiro, disse ele. Não sei se foi por brincadeira, ou se foi uma homenagem aos antepassados. Embora more no Rio de Janeiro, nasceu em Sampa e até torce para o São Paulo. Louco por futebol, numa das vezes em que esteve em Ribeirão Preto foi para participar de uma pelada com Sócrates, irmãos e filhos contra Chico Buarque, seus músicos e o próprio Carlinhos Vergueiro.
Como ficaram vários dias, Sócrates o convidou para participar do nosso CD, cantando um samba com a gente. Gravamos no estúdio do Grupo Nós. Adoniran Barbosa, cujo nome verdadeiro é João Rubinato, quando moço, decidiu ser cantor, encarou um programa de calouros e ao falar seu nome para fazer a inscrição, o diretor tirou a maior onda.
“João Rubinato não é nome de cantor, meu amigo”, disse. “Com esse nome você não vai a lugar nenhum”. Adoniran, contrariado, clonou o nome de um amigo e tascou: Adoniran. O Barbosa foi só um complemento. E deu no que deu. Mas, como o nome a obra imortaliza, o legado do velho compositor é de se tirar o chapéu.
Adoniran tinha adoração pelos seus cães, um ele chamava de Pitoco. Era seu xodó. Tanto, que ao compor um samba, na hora de registrá-lo, o funcionário lhe perguntou se ele tinha algum parceiro. O sambista respondeu que sim. O cara emendou: “Então diga quem é”. E ele com, aquela voz grave e rouca de fumante inveterado e resultado de muitas boemias. Falou: “Põe aí ‘Pitoco’.”
O cara. meio que sem entender, questionou Adoniran. “Nunca ouvi falar deste compositor, quem é ele?” E o sambista, sério, disse: “Claro que não, é o meu cachorro”. “Seu cachorro? Mas como? Ele vai ter direitos autorais e como você vai fazer”, perguntou o burocrata. O velho boêmio, sem perder o tom, arrematou: “Pode deixar que a parte dele eu pago com carne”.
Adoniran frequentava um boteco no Bixiga, bairro boêmio na região central de Sampa. Mesmo após sua partida, o dono deixava sua mesa atrás do biombo, como o velho sambista gostava, com o mesmo cinzeiro, vidrinho de pimenta, guardanapos e sua caixinha de fósforo.
Carlinhos Vergueiro compôs um samba e ligou pro Adoniran lhe propondo uma parceria. Disse: “Adoniran, já compus com Toquinho, Vinicius de Morais, João Nogueira e acabo de compor um samba que está sem letra, gostaria muito que você se tornasse meu parceiro também” Adoniran topou e falou: “Quando você vier pra São Paulo, me ligue que vamos num boteco no Bixiga e a gente passa a régua”.
Dias depois aconteceu, e lá estavam eles atrás do biombo, focados no samba, quando entra no bar Paulinho Boca de Cantor, do veterano grupo Novos Baianos. Ele pediu uma cerveja e, de copo na mão, deu uma geral no recinto. Ao ver a dupla atrás do biombo com violão, caneta e caderno, aproximou-se e começou a dar palpites no samba. Isso enfureceu Adoniran, que se levantou, dizendo: “Carlinhos, esteja aqui amanhã ao meio-dia que acabamos o samba”.
Dia seguinte, Carlinhos chegou antes da hora combinada. Logo Adoniran apareceu meio que desconfiado, mas foram pra trás do biombo e acabaram o samba.Os dois se abraçaram comemorando a parceria e Carlinhos Vergueiro falou: “Adoniran, não podemos esquecer o Paulinho Boca de Cantor”. O velho sambista retrucou: “O que tem ele?” “Ora, Adoniran, ele deu palpite no nosso samba. E o boêmio, invocado, perguntou: “Mas o que ele fez no samba, Carlinhos?” “Ele colocou o breque”, respondeu Carlinhos. “Então, tire o breque”. Carlinhos riu pra dedéu. Assim nasceu o samba “Torresmo à milanesa”.
Sexta conto mais.