Adalberto Luque
“Nunca tive um cão comprado. Sempre de doação. E tínhamos que transformar um Fusca em, pelo menos, uma BMW (risos). Mas, experiência própria, os cães adotados eram especiais, pois sabiam que você os adotou e te retribuíam muito com amor e dedicação”. Este é o pensamento de Ricardo Alexandre Cazarotte, policial militar por 28 anos, hoje na reserva.
Em sua carreira na PM, trabalhou ininterruptos 25 anos no Canil da Corporação. Um trabalho que lhe rendeu fama e reconhecimento. Treinou dezenas de cães para diversos tipos de atividades. Mas a paixão que tem pelos amigos de quatro patas demorou para ser percebida por ele.
“Trabalhava no patrulhamento tático móvel, roupa impecável. Aí decidi mudar e fui para o Canil. Chegando lá, fui recepcionado pelo hoje sargento Anderson, que me mostrou as atribuições. No começo foi difícil, pois não parava limpo, todo babado. Um dia, o supervisor do Canil, sargento Demarchi, falou que eu não tinha capacidade para treinar cães, e era melhor voltar de onde havia vindo. Mexeu com meus brios e, a partir desse dia, comecei a treinar e me apaixonei pelos cães”, lembra Cazarotte.
Sua dedicação começou a dar ótimos frutos. Treinou muitos cães para diversas finalidades: patrulhamento, localizar drogas, localizar armas e até mesmo pessoas soterradas. E foi por conta desse trabalho que ele participou de buscas no terremoto do Chile em 2010 e nas chuvas que castigaram a região serrana do Rio de Janeiro, com centenas de vítimas em Teresópolis, em 2011.
O adestrador esteve ajudando nas buscas de pessoas soterradas com cães que ele mesmo treinou.
Além de treinar os cães para atividades específicas de policiamento, Cazarotte sempre desenvolveu um importante papel para aproximar a Corporação da comunidade. Um dos eventos mais esperados antes da pandemia da covid-19 era a Semana da Criança. Durante o período que antecedia o Dia da Criança, em outubro, o quartel da avenida Paschoal Innecchi, em Ribeirão Preto, recebia centenas de crianças das escolas públicas e particulares da cidade e região.
Elas vinham conhecer todas as atribuições da PM, como patrulhamento rodoviário, ambiental, escolar, nas ruas e Corpo de Bombeiros. Mas o momento sempre mais esperado era a apresentação do Canil da PM. As crianças vibravam com cada movimento feito pelos cães adestrados por Cazarotte e pelos demais integrantes do Canil.
Além da PM
Certo dia, ele foi procurado por um senhor aflito. O homem havia lido reportagens sobre Cazarotte e, com seu filho tendo constantes crises epiléticas, leu que havia cães treinados para ajudar nessas situações. “O filho quase morreu durante a noite, parando de respirar e o homem me implorou para treinar um cão para seu filho. Disse-lhe que não tinha capacidade técnica para esse tipo de treinamento. Mesmo assim, o homem me deixou o telefone”, recorda.
Preocupado com o relato daquele pai, o policial militar passou a estudar o assunto. Contraiu um empréstimo e foi até os Estados Unidos, onde havia um trabalho semelhante. Mas ele voltou decepcionado. Viu que os cães eram apenas de convivência, não treinados para agir. Persistente, Cazarotte continuou pesquisando e desenvolveu sua técnica própria.
“Deu muito certo. O garoto tinha 20 crises fortes por dia e tomava cinco comprimidos tarja preta. Hoje, se tiver apenas uma, é muito. Um garoto mais alegre, que toma apenas um quarto dos comprimidos que tomava antes por dia”, comemora. Esse foi o princípio de uma carreira que foi além da PM.
Em meados da última década, Cazarotte começou um trabalho em parceria com pesquisadores da Universidade de São Paulo. Treinou um cão farejador para detectar pessoas que estivessem desenvolvendo câncer de próstata em seu estágio inicial.
“Esse trabalho com cão farejador foi junto com a USP. Colocávamos urina de pessoas sadias e de alguém doente no início e ele conseguia detectar. Teve repercussão nacional. O cão fez 690 testes e não errou nenhum. Só que se esbarra em muita coisa”, acrescenta.
Duque e Pappo
Outro grande trabalho ocorreu neste ano. Mas foi um longo processo. Cazarotte foi procurado por um brasileiro que mora nos Estados Unidos. Ele queria um cão de assistência para seu filho que tem autismo. Pediu ao pai que mandasse vídeos com a rotina do adolescente que vive em Orlando.
Lá, a espera é de até dois anos, além de ser muito caro ter um cão de assistência. “Perguntei se precisava ser cão de raça, pois estou tentando provar para a sociedade que cães abandonados podem ser muito úteis e especiais. O pai concordou”, lembra Cazarotte.
Buscou então um cão abandonado junto ao amigo Virgílio, que dirige a Associação Amigos dos Animais de Ribeirão Preto e trabalha no resgate de cães. “Essa é uma instituição séria, que fui conhecer. Todos os cães são castrados, vermifugados, remédios para carrapato, cães saudáveis”, explica. Entre vários disponíveis, eis que surge Duque, um simpático vira-lata, já adotado antes, porém devolvido ao abrigo. Agora escolhido para a nobre missão. Com a ajuda de odores importados, Cazarotti conseguiu ensinar Duque como agir em uma crise. Os odores naturais são emitidos pelo organismo quando a pessoa está prestes a ter uma convulsão. O cão consegue perceber e pular no garoto para avisá-lo e acalmá-lo para a crise não ser aguda. Uma vez treinado, Duque embarcou para Orlando e hoje vive muito bem com o adolescente Pappo. “O menino está até sorrindo, coisa que não fazia”.
Aposentadoria e projetos
Desde que se aposentou, no início deste ano, Cazarotte tem investido em seus projetos. Tem se dedicado ao Centro de Treinamento que montou, o Doutores de Pata – Excelência em Treinamento. Ele promove adestramento para cães em geral, facilitando o convívio entre o pet e seus donos. Fica no Condomínio Chácara dos Laranjais, próximo ao Complexo Ribeirão Verde.
Apesar da saudade que tem dos bons amigos e das várias histórias dos tempos de PM, segue com novos projetos. Um deles é treinar um cão para ajudar um portador de diabetes tipo 1. Está finalizando os estudos e vai iniciar o treinamento para que o cão consiga avisar, com latidos e batendo com a pata, antes da pessoa ter a crise.
“O mais caro no treinamento é o odor, que é importado, pois é puro”, acrescenta. Por conta dos custos elevados para treinar um cão que trará um benefício enorme a uma pessoa com algum tipo de enfermidade ou necessidade motora, dando uma enorme melhoria em sua qualidade de vida, muitas vezes o adestrador conta com a ajuda de empresários.
Ele destaca, atualmente, o auxílio que recebe da Barone Recicláveis, mas acredita que poderia fazer muito mais se recebesse apoio financeiro de outros empresários. “Procuro utilizar cães sem raça definida e abandonados. Ajuda a dar um lar digno e, além de tudo, pode ajudar muito a sociedade”.
Para ele, é fundamental que as pessoas percebam a importância dos cães abandonados, que podem ser úteis, inclusive, para atividades especiais, como ser cão de companhia ou cão de assistência, ajudando até mesmo a salvar vidas.
Mas além de estar prestes a iniciar o treinamento do cão que vai ajudar a um portador de diabetes tipo 1, Cazarotte revela que concluiu outro curso de treinamento e manda seu recado ao poder público.
“Terminei um curso para treinar cães guias destinados a portadores de deficiência visual e gostaria de treinar para pessoas de nossa cidade. Fica a dica, prefeito [de Ribeirão Preto, Antônio Duarte Nogueira]”, encerra, solicitando apoio.