Luiz Paulo Tupynambá *
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Lado de cima
Como se esperava, o ano de 2024 está recheado de idas e voltas e algumas reviravoltas causadas pelas importantes eleições realizadas em várias regiões no mundo. Depois da vitória, que se revelou insuficiente para consolidar uma posição de mando nas eleições para o Parlamento Europeu, a direita sofreu outros dois revezes importantes, na derrota acachapante do conservadorismo inglês e na surpreendente virada da esquerda francesa no segundo turno das eleições parlamentares antecipadas por François Macron. Menos mal para uma Europa ameaçada fortemente pelos nacionalismos que renascem em todo o seu território.
Porém, o “circo” está armado mesmo é neste lado de cá do Atlântico, com fuzarcas e estrepolias eleitorais anunciadas para o norte e o sul do equador. E ainda dizem que não existem pecados apenas do lado abaixo dele. O lado de cima apenas é mais eficiente para varrer seus pecados para debaixo do tapete.
Quando se trata das eleições estadunidenses, a coisa mais parece roteiro produzido por Hollywood do que pelos partidos políticos envolvidos. Com um sistema partidário e eleitoral que privilegia os dois grandes partidos, é sempre um “filme” recheado de mudanças de roteiro, assassinatos, tiroteios, guerras como pano de fundo, revelações bombásticas, traições e abandonos. Desde o surgimento dos confrontos bipolares na mídia, com os debates televisivos e reforçados nas últimas eleições com a exposição midiática na internet, a coisa desandou de vez.
É um espetáculo digno de ser descrito por Bocácio num Decameron moderno se ele vivesse nos dias de hoje ou que faria um Shakespeare atual corar com tanta exposição nua da “nobreza” da República. Para acentuar o aspecto dramático dessa obra ‘mefistoliana’ sempre existe pelo menos uma guerra em algum lugar do mundo onde o poder militar estadunidense está metido, seja com tropas ou fornecimento de armas. A D. R. estadunidense sempre arrebenta telhados e casas pelo mundo afora.
Como era esperado o presidente Joe Biden, depois dos últimos episódios constrangedores, renunciou à candidatura e até este momento em que escrevo parece que Kamala Harris, atual vice-presidente estadunidense deve ser a escolhida na Convenção Democrata de 12 de agosto para substituí-lo como candidata do partido. O abandono da candidatura pelo presidente atual foi uma boa decisão eleitoral dos democratas, já que o concorrente republicano, Donald Trump, tinha aberto uma boa vantagem pelo péssimo desempenho de Joe Biden no primeiro debate televisivo. O atentado sofrido por Trump em comício eleitoral na Pensilvânia no dia 13 de julho último serviu como uma luva para reforçar seu discurso de homem perseguido, uma vítima eterna do sistema. Parecia para os republicanos que as eleições presidenciais já estavam decididas e a data do churrasco comemorativo estava marcada. Só que não.
A entrada, mesmo que ainda não oficial, de Kamala Harris como um furacão na corrida eleitoral injetou ânimo e dinheiro na campanha democrata. Arrecadou mais de 100 milhões de dólares em doações para a campanha em menos de três dias. De cara, ela que já foi promotora no início de sua carreira, em sua primeira manifestação como pré-candidata tascou: “Eu enfrentei perpetradores de todos os tipos. Predadores que abusam de mulheres. Trapaceiros que roubaram consumidores. Traidores que quebraram as regras pelo próprio ganho. Então, me escute quando eu falo, eu conheço o tipo de Donald Trump”. Por aí dá para se notar o rumo dessa campanha. Para quem gosta de trocação, vai ser prato cheio.
Lado de baixo
Uma expressão espanhola muito conhecida diz “críacuervos y te sacaránlosojos” (“Cria corvos e eles te arrancarão os olhos”). Também é o nome do filme de 1976 de Carlos Saura, “Cria Cuervos”. O significado popular é que se você criar mal seus filhos, arriscará ser traído e mal visto por eles quando crescerem. Na política internacional, isso de criar corvos acontece bastante e exemplos não faltam. Que o diga o PT. Mesmo com todos os avisos, sinais e indícios de que as coisas na Venezuela de Maduro não eram nem perto de como eram com Chavez, o PT continuou a apoiar e afagar o ditador Maduro. E na primeira crítica colocada publicamente por Lula pela fala de Maduro sobre um banho de sangue na Venezuela no caso de uma derrota dele nas eleições de 29 de julho, o brasileiro ouve, também publicamente, a malcriada resposta: “Tá dodói? Toma um chazinho de camomila que passa”. Uma boa resposta para quem acredita que Putin é bonzinho porque é russo e comunista por nascimento, a Nicarágua de Noriega é o paraíso na terra e Maduro é democrata porque “me dijounpajarito”.
Corroborar de antemão a eleição venezuelana é manchar o discurso de que o Brasil é um país pragmático, mas que preza os valores da democracia no mundo todo. Apoiar Maduro significa apoiar suas afirmações de que as eleições brasileiras não são auditáveis e as dele sim. É um absurdo quando se pensa em inviolabilidade do voto. Na Venezuela a votação é na urna eletrônica, mas cada voto é impresso em papel exatamente como Bolsonaro quer aqui. Democracia é a possibilidade de troca de governos e pensamentos políticos por votação em eleições limpas, com voto individual inviolável e não identificado. O PT precisa se decidir: criar corvos lá e cá ou exigir democracia aqui e no resto do mundo.
* Jornalista e fotógrafo de rua