Por: Adalberto Luque
Kauã Silva, de 6 anos, estava dormindo em sua casa, na Vila Carvalho, zona Norte de Ribeirão Preto. Era madrugada de 19 de agosto, quando o garoto se levantou para ir ao banheiro. Depois voltou para a cama.
Começou a chorar, vomitar e suar muito. Gritava de dor. Enquanto a mãe correu com o filho para o Hospital das Clínicas – Unidade de Emergência, no Centro de Ribeirão Preto, a avó encontrou um pequeno escorpião na cama do garoto. A família acredita que tenha caído do teto da residência.
Kauã chegou a ser medicado contra picada de escorpião, mas acabou morrendo. Foi a segunda criança a morrer por conta da picada de escorpião em Ribeirão Preto. No dia 19 de julho, uma menina de 4 anos morreu após ser picada por um escorpião. Ela também chegou a ser socorrida no HC-UE, centro de referência para picadas de escorpiões e outros animais peçonhentos. Mas não resistiu.
Uma picada a cada três horas
De acordo com o Relatório Epidemiológico do Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa), da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Ribeirão Preto, de 2018 até 2023, seis pessoas já morreram vítimas de picadas de escorpião na cidade.
Julho, setembro e outubro deste ano foram recordistas em número de acidentes escorpiônicos, desde janeiro de 2012, de acordo com os dados do Devisa. Até então, o maior número havia sido registrado em novembro de 2019, quando ocorreram 203 acidentes. Em julho de 2023 foram 210 casos. Em setembro 212 e em outubro 231 pessoas foram picadas por escorpiões. A cada três horas, uma pessoa é picada por escorpião em Ribeirão Preto. Em 2023, 54 ocorrências foram considerados moderadas ou graves.
Aumento
Nos dias mais quentes aumentam os casos de encontro de escorpiões e, consequentemente, os acidentes. Estão por todas as regiões da cidade. Mas há locais onde a concentração tem sido mais notada. É o caso do Jardim Monte Carlo, na zona Oeste.
O metalúrgico Carlos Eduardo Marcos, 40 anos, percebeu o problema através dos comentários em um grupo de WhatsApp entre os moradores do Jardim Monte Carlo, onde mora. Desde que os relatos começaram, todo dia tem pelo menos um morador contando ter visto um escorpião.
“Temos o grupo de WhatsApp aqui do bairro onde comunicamos tudo, desde suspeitos e veículos suspeitos, até falta d’água. Todos monitoram o bairro. Foi quando começaram a relatar o surgimento de escorpiões. No começo era no quintal. Depois começaram a encontrar escorpiões dentro das casas”, lembra.
Apesar dos relatos de vizinhos, o metalúrgico não tinha encontrado escorpião em sua casa. Mas isso mudou em novembro. “Minha esposa estava recolhendo a roupa da família para colocar na máquina de lavar. Ao pegar meu boné, encontrou um escorpião grande. Ela ficou assustada. Dois dias depois, encontrei outro debaixo da geladeira”.
Segundo Marcos, embora haja muitos relatos, não houve caso com picada de escorpião. “As pessoas estão ainda mais cuidadosas. Graças a Deus, ninguém foi picado. Estamos todos atentos”.
Mudança de hábitos
A assessora de vendas Camila Martins, 47 anos, também mora no Jardim Monte Carlo está preocupada com o aumento de escorpiões. “Na minha casa encontrei dois em menos de uma semana. Tenho um neto de 5 anos. Imagine se uma criança é picada. Um verdadeiro horror, a prefeitura precisa tomar uma providência”, pede.
A rotina da família mudou. Todos os dias Camila olha debaixo das camas antes de dormir, afastando-as das paredes e colocando proteções no vão das portas. Também optou por ralos que abrem e fecham. “O filho de um colega de trabalho foi picado, ficou internado durante cinco dias no HC [Hospital das Clínicas]. Quase morreu”, acrescenta.
No oitavo andar
Enfermeira com doutorado em saúde pública e integrante da diretoria do Devisa, Luzia Márcia Romanholi Passos destaca que o assunto é de extrema importância e a população deve tomar cuidados para o escorpião não encontrar condições que favoreçam se desenvolver e procriar.
“É um problema em vários municípios. As condições ambientais proporcionam o aumento da população de escorpiões e outros animais, inclusive não peçonhentos, favorecendo muito seu modo de vida. Além disso, temos um descarte absurdo de resíduos que produzimos. Tudo o que serve de abrigo, eles utilizam para procriar e aumentar a população de escorpiões”, destaca.
Luzia explica que, de 2018 até os dias atuais, a situação melhorou muito. Mas ainda há muito por fazer. “Normalmente o escorpião procura locais escuros, úmidos, com madeiras e entulhos. Dentro de casa se abriga em frestas em paredes, falhas estruturais e até em locais onde há acúmulo de materiais sem movimentação. Até em caixa de brinquedos que seriam doados encontramos escorpiões. Eles também usam canaletas da rede elétrica e saem pelos bocais. Usam a rede hidráulica e saem nos ralos – por isso é importante fechar os ralos na parte interna das residências. Já tivemos relato até de encontro no oitavo andar de prédio”, aduz.
Visitas
Dentro da SMS, há equipes da Vigilância Ambiental que, após recebimento de denúncias de picadas ou de encontro de escorpiões, visitam as residências e fazem vistorias. Mas como o escorpião tem hábitos noturnos, muitas vezes os agentes não encontram os animais peçonhentos. Porém, orientam os moradores.
Desde o início de 2023, de acordo com Luzia, foram feitas cerca de 2,5 mil visitas a locais onde escorpiões teriam sido avistados e houve notificação. Além disso, as equipes fazem vistorias constantes a instituições de longa permanência de idosos, escolas e até mesmo nas unidades de saúde do município. “Já visitamos cerca de 700 instituições”.
Riscos
Idosos e crianças abaixo de 10 anos compõem o grupo de risco em casos de picada de escorpião. Quando ocorre acidente escorpiônico, esses grupos estão sujeitos a reações mais graves e até a morte. Mas trabalhadores da construção civil, madeireiros e distribuidores de hortifrutigranjeiros também são vítimas constantes de picadas.
Do total de acidentes escorpiônicos registrados em 2023, cerca de 70% envolveram crianças com menos de 10 anos, justamente um dos grupos de risco. Os acidentes são divididos entre leves, moderados e graves, sendo mais frequentes, de acordo com o Instituto Butantã, na primavera e verão.
Nos casos mais graves, entre os sintomas, salivação, insuficiência cardíaca, edema pulmonar, podendo evoluir para o óbito. Em caso de acidente, é preciso buscar atendimento médico imediato. Ocorrendo encontro de escorpião, a Divisa orienta que isso seja notificado através dos telefones (16) 3969-8120 ou 0800-775-0123.
SMS orienta
Segundo o Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa), algumas medidas simples podem reduzir os riscos e diminuir a população de escorpiões.
Na área externa do domicílio:
- Manter limpos quintais e jardins, não acumular folhas secas e lixo domiciliar;
- Acondicionar lixo domiciliar em sacos plásticos ou outros recipientes apropriados e fechados, e entregá-los para o serviço de coleta. Não jogar lixo em terrenos baldios;
- Limpar terrenos baldios situados a cerca de dois metros (aceiro) das redondezas dos imóveis;
- Eliminar fontes de alimento para os escorpiões: baratas, aranhas, grilos entre outros;
- Evitar a formação de ambientes favoráveis ao abrigo de escorpiões, como obras de construção civil e terraplenagens que possam deixar entulho, superfícies sem revestimento e umidade;
- Remover periodicamente materiais de construção e lenha armazenados, evitando o acúmulo;
- Preservar inimigos naturais dos escorpiões, especialmente aves de hábitos noturnos (corujas, joão-bobo, etc.), pequenos macacos, quati, lagartos, sapos e gansos (galinhas não são eficazes agentes controladores de escorpiões);
- Evitar queimadas em terrenos baldios, pois desalojam os escorpiões;
- Remover folhagens, arbustos e trepadeiras junto às paredes externas e muros;
- Manter fossas sépticas bem vedadas, para evitar a passagem de baratas e escorpiões;
- Rebocar paredes externas e muros.
Na área interna:
- Rebocar paredes para que não apresentem vãos ou frestas;
- Vedar soleiras de portas com rolos de areia ou rodos de borracha;
- Reparar rodapés soltos e colocar telas nas janelas;
- Telar as aberturas dos ralos, pias ou tanques;
- Manter todos os pontos de energia e telefone devidamente vedados.
FOTO 04:
Luzia, da diretoria do Devisa: encontro em caixa de brinquedo e até em oitavo andar de prédio
(Foto: SMS/Divulgação)
FOTO 05:
Grupo de aplicativo de mensagem com moradores do Jardim Monte Carlo não passa um dia sem receber notificações de encontro de escorpião (Foto: Redes Sociais)
FOTO 06 (PODE CAIR)
SMS-Devisa/Reprodução