José Antônio Lages *
O ator Paulo Gustavo não resistiu à Covid-19 e morreu aos 42 anos. Seu quadro se agravou devido a uma embolia. Ele estava internado desde o dia 13/03 no Rio e vinha apresentando melhoras, tendo uma redução dos sedativos e bloqueadores, mas na noite da última terça (4/5) os médicos anunciaram que a sua situação era irreversível. O ator foi marcado pelo grande sucesso com a comédia “Minha mãe é uma peça”, com o papel da personagem Dona Hermínia, de sua criação. Os três filmes da obra venderam mais de 26 milhões de ingressos. Ele era casado com Thales Bretas, dermatologista, e pai dos gêmeos, Romeu e Gael, de um ano.
Sua morte comove o Brasil. É enorme a quantidade de mensagens de pêsames, homenagens de famosos e anônimos. Essa fatalidade, no entanto, tem elementos que a tornam diferente quando comparada à morte violenta ou inesperada de outras referências nacionais. Como disse Emir Sader, um dos nossos principais sociólogos e cientistas políticos da atualidade, “ninguém representou tanto a alegria no Brasil neste últimos anos como Paulo Gustavo. A alegria, o riso, uma espécie de empatia e de esperança de que as pessoas ainda são capazes de sorrir, de se divertir, mesmo no meio de uma situação tão terrível como a que vivemos”.
Quando Ayrton Senna ou os Mamonas Assassinas morreram, foi gigantesca a comoção, como bem lembrou Thiago Rodrigues na revista Carta Capital. Tivemos manifestações de luto coletivo parecidas apenas com a morte de Getúlio Vargas e Tancredo Neves. No caso de Senna, a perda era a de um “herói”, alguém que representava o Brasil com altivez e sucesso, mas mesmo assim, com humildade. Senna simbolizava o lado positivo da autoimagem do brasileiro. Quanto à banda, o choque se deu pela morte acidental no auge da carreira. A juventude dos artistas, somada à alegria e à descontração que encarnavam, fez da tragédia um trauma nacional.
Com Paulo Gustavo, a violência exige uma ressignificação. Não se trata de uma vida tirada em um acidente, mas de uma morte provocada por uma pandemia que já tirou a vida de mais de 410 mil brasileiros. A violência, então, é sentida pela quantidade colossal de mortes e pelas circunstâncias nas quais elas estão ocorrendo. O ator morreu no dia em que começou a CPI que investiga a responsabilidade do governo Bolsonaro na resposta à pandemia e poucos dias após as marchas bolsonaristas exigirem a abertura do comércio, sempre com as mesmas palavras de ordem autoritárias.
Como escreveu Thiago Rodrigues, “a morte de Paulo Gustavo provoca uma forma diferente de luto coletivo. Não se trata apenas de um “ídolo popular”, mas alguém cuja existência reúne elementos políticos fundamentais. Ele foi vítima não apenas de um vírus, mas de uma morbidez nacional. O país tornou-se um cemitério onde três a cada quatro brasileiros contam com a morte de uma pessoa próxima em decorrência do coronavírus. Paulo Gustavo adoeceu quando vacinas já estavam disponíveis no mercado, mas não acessíveis à população por conta daquilo que a CPI já aponta como ação deliberada do governo Bolsonaro”.
Sua morte é mais do que a perda de uma pessoa tão querida. É a expressão mais acabada de como a política genocida deste governo atenta contra a alegria, contra a esperança, contra a própria vida de todos nós. A morte de Aldir Blanc no começo deste massacree a perda agora de Paulo Gustavo demonstram o poder perverso e torpe deste desgoverno. Bolsonaro não comprou milhões de vacinas que foram oferecidas no ano passado, e fez disso uma questão menor de suposta falta de informação, mas que representa a perda de centenas de milhares de vidas que poderiam muito bem ter sido evitadas.
E concluímos com a sabedoria de Emir Sader: “a morte de Paulo Gustavo demonstra como nada está a salvo da ofensiva terrorista desse governo, que joga com o desalento, com o desânimo, com a desesperança, para tentar seguir sua tarefa de destruir o Brasil. Não apenas destruir as empresas públicas, não apenas destruir a economia e os empregos. Mas também tentar destruir nossa alegria, nossos sorrisos, nossas esperanças, os Paulos Gustavos que levamos dentro de nós.” Esperemos que esta CPI seja mais um ponto de resistência frente a este genocídio e que, em breve, muito breve, possamos voltar a sorrir, sem Covid e sem Bolsonaro.
* Consultor técnico-legislativo e ex-vereador em Ribeirão Preto (Legislatura 2001-2004)