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A vergonha histórica do racismo

Se a velhice é a carga pesada para as pessoas, para as mulheres e homens negros essa carga passa a ser pesadíssima, quando sobrevivem.

Esse assunto da primeira linha da gravidade ocupa uma reporta­gem da Folha de São Paulo, do último dia 10 de julho, que é sempre uma advertência, sempre uma proposta de redenção, é sempre um motivo de reflexão para expurgar de nosso meio, cultura ou estrutura pessoal ou social, esse medo, esse fluxo de discriminação que muitos pensam ser natural, porque afinal negros e negras são diferentes, esquecendo-se que diferentes eles o são, mas só na aparência.

O trabalho jornalístico é assinando por Laura Mattos e traz o depoimento de mulheres negras, poetas, as três, Célia de Lima (75) Adélia Martins (67) e Terê Cardoso (70), que trabalham no projeto Continuar “que promove ações culturais e educacionais para a terceira idade”.

São elas na verdade as vítimas que conseguiram sair da sombra sufocante da escravidão, adquirir a consciência crítica que as coloca num lugar do mundo e da sociedade do qual sabem e conseguem reverberar não só a crueza de sua experiência, como conclamar a humanidade, procurando atrair o que existe em nós de humanos e para começar a quitação de vez desse passivo histórico.

Se elas, poetas, são a carne viva dessa lembrança histórica, que está diariamente na nossa culinária e sua voz afro, está na música com seu ritmo às vezes alucinantes, às vezes pausados, está na nossa cultura e na nossa prosa machadiana, como está nas paredes de Ma­riana, tratadas com o mesmo desprezo com que se admira, mas não perdoa Aleijadinho, na suposta contradição de quem é como artista e quem foi como cor da pele.

Outra face da discriminação e da violência contra a mulher ne­gra foi revelada pela pesquisa sobre a gravidez, mas quando ela deve ser interrompida. Quando se trata de mulheres brancas existem nú­meros, estatísticas, tem-se a informação adequada para ser avaliada e divulgada, podendo definir determinada política. Entretanto, o eloquente é inexistir quaisquer dados, qualquer percentual, em re­lação às mulheres negras. Ou seja, na faixa social que seguramente apresenta mais problemas, a gravidez é levada até o último minuto. Qual o motivo real dessa omissão? Será medo? Será vergonha? Será o difícil acesso aos serviços médicos? Ou será porque a inferioridade introjetada no espírito da descendência escrava, tão forte no painel de nossa convivência social impede a mulher negra de procurar, regular e normalmente, a solução de seu problema.

Se a gravidez, que deveria ser interrompida e não o foi, é um problema que atinge a mulher negra de qualquer idade. Essa coe­rência cultural ou a imutável fixação estrutural incide até na velhice da mulher negra ou branca, sendo que essa onda histórica atinge a saúde, corporal e psicológica, a situação econômica, a segurança e tudo o mais que engloba a vida em sociedade.

Nesse mundo de tantas guerras, essa de negar a própria forma­ção histórica, que conflui o índio, o negro e o branco, tem a gênese de ser ora invisível ora visível, mas contínua, lógica, brutal, tanto que para ela nunca existiu armistício: nasce negro ou negra, seu mundo é da violência.

Essa triste vergonha histórica está estampada nos números atuais do Anuário da Segurança Pública, pois, os registros policiais registram o quádruplo dos casos de racismo, entre 2018 e 2021, sendo que em 2022 houve uma alta de 31%, em relação a 2020. Os mortos pela polícia são a maioria negra.

A qualificação de racismo cultural ou estrutural para essa rea­lidade política, social e econômica, pouco importa. O que ataca ou deveria atacar nossa consciência é a emergência da realidade histó­rica que nos faz um país negro ou pardo, com a imensa contribuição afro em nossa forma de ser, seja na cultura, no esporte, na culiná­ria, na formação de nossa sociedade, que nega estupidamente essa gigantesca presença desigual em nossa formação miscigenada.

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