Com o tardio avanço da vacinação, aos indicadores de contagio e óbito por Covid-19 começam a apresentar considerável queda. Timidamente o país retoma suas atividades nos diversos setores da economia e várias práticas cotidianas voltam a ser observadas. Um caso típico é na saúde onde a trégua entre usuários e profissionais parece ter acabado. Se durante os primeiros meses existiam elogios, aplausos e diversas manifestações de apreço, agora as reclamações e agressões se avolumam.
Na setor social o cenário também é preocupante. As mobilizações para arrecadação de alimentos às famílias carentes arrefeceram. Por falta de recursos ou sensibilidade, as pessoas pararam ou reduziram o volume das contribuições. Recente pesquisa aponta a preocupação de entidades filantrópicas em sobreviver ao pós-pandemia, pois além da reduçãode apoiadores financeiros, doações de materiais e equipamentos, o número de voluntários também está em queda. Diversas associações comunitárias e ONGs estão com seus estoques de comida zerados, ficando impotentes diante dos crescentes pedidos de auxílio.
Para piorar, nesta semana fomos surpreendidos por uma onda de frio. Os mais generosos correram para vasculhar armários de roupas e doar aquelas em desuso. A mudança climática durou poucos dias, mas seus efeitos foram fatais. Segundo o Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, pelo menos 12 pessoas morreram por hipotermia.A benevolência também esfriou.
Paradoxalmente, de acordo com dados do último censo do IBGE, em 2010, 64,6% dos entrevistados se autodeclararam católicos e 22,2% evangélicos, ou seja, éramos 86,8% de Cristãos. Aliás, muitos ostentam esse índice como algo a ser celebrado. Curiosamente Jesus Cristo pregava a humildade, a caridade e a fraternidade permanentes.
Parece que seus atuais seguidores não entenderam a mensagem e criaram a solidariedade sazonal. Em ocasiões específicas como o Natal e dias de inverno ou face uma tragédia, correm e distribuem cestas básicas e cobertores. No resto do ano lembram o sacerdote e o levita que ilustram a Parábola do Bom Samaritano pela indiferença ao semelhante necessitado.
A situação econômica não é confortável e nos últimos meses experimentamos significativos aumentos nos preços dos combustíveis, alimentação, gás de cozinha, energia elétrica e pedágios. Por sua vez, quem ainda tem emprego, não recebeu reajuste salarial, ao contrário, muitos tiveram o rendimento reduzido. A consequência dessa triste realidade é uma equação sem solução com mais brasileiros carentes e necessitando de auxílio.
A solidariedade não pode ser como as ondas do mar em seu movimento de avanço e refluxo. A fome, a doença e o desabrigo são contínuos. É óbvio que se existissem políticas públicas efetivas de geração de emprego e renda, inserção no mercado de trabalho, requalificação, acolhimento e promoção social e de cidadania, não seria necessário o maior vigor caritativo dos cidadãos, porém atribuir a exclusividade das iniciativas a outrem também não é correto.
Ocorre que, com louváveis exceções, as esferas de governoatuam de forma letárgica e reativa. Não conseguem prever, antecipar ou evitar a vulnerabilidade social e muitas vezes parecem mais preocupadas na divulgação do que na efetividade das ações. Esquecem que quem tem fome tem pressa, quem tem frio também. Fome e frio matam, mas a insensibilidade, o egoísmo, a falta de solidariedade e empatia matam muito mais. Assim a verdadeira solidariedade não pode ser sazonal.