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A venda do meu avô

Tenho um orgulho muito grande de meu avô materno, José Chúfalo. Filho de imigrantes que vieram tentar uma vida melhor no Brasil, nasceu em Bonfim Paulista, onde frequentou o ensino primário. Desde cedo demonstrou seu espírito de empreendedor. Com pequenas economias de serviços avulsos, comprou uma carroça e um cavalo e fazia transporte de café para os pequenos sitiantes da cidade, imigrantes que já haviam conseguido um pe­queno pedaço de terra. Juntou dinheiro suficiente para abrir um pequeno armazém em Santa Cruz do José Jacques, então distante distrito de Ribeirão Preto, na esquina da hoje rua Chile com Avenida Portugal. Em 1920, casou com minha avó Luiza Tonzar e constituiu família de seis filhos.

Com o produto de seu trabalho, conseguiu, em 1932, com­prar uma máquina de beneficiar arroz, na rua Mariana Junquei­ra, antiga rua do Comércio. Necessário esclarecer às gerações que hoje compram arroz empacotado, nos supermercados, que, naquele tempo o arroz era vendido nos armazéns. Sacos amare­los de 60 quilos, com as bordas abertas e dobradas, eram expos­tos na entrada, de onde grandes conchas de zinco dele retiravam a quantidade pretendida pelos clientes.

O arroz recebido com casca era submetido a um processo de descascamento e brunido, para ficar limpo e brilhante. Para manter o suprimento de matéria prima, meu avô viajava cons­tantemente para as regiões produtoras de Minas Gerais, usando o trem. Utilizava uma caderneta emitida pela companhia de estrada de ferro, pré-paga. Sempre viajou armado pelo sertão que era o Triângulo Mineiro, pois algumas vezes levava numerá­rio para pagamento das compras. Sabia, como poucos, descascar o arroz pretendido, atritando-o nas palmas das duas mãos, o que tentei várias vezes fazer, sem sucesso.

Tinha um programa diário: à noitinha, depois do jantar, pas­sava uma hora conversando na Drogasil da rua General Osório com amigos constantes. Havia um banco onde todos sentavam e repassavam as notícias do dia. Com frequência, na volta do encontro, passava numa confeitaria e mandava enviar para sua casa sorvetes e doces, que eram a alegria de todos. O negócio cresceu tanto que José Chúfalo passou a ser o maior comerciante de arroz do Estado. Sua análise dos grãos era respeitadíssima entre seus pares.

Ao completar 70 anos, idade avançada para a época, achou que estava no fim da vida e transferiu seus negócios para os filhos. Viveu mais 31 anos. Para preencher sua aposentado­ria, montou, no porão de sua casa, uma venda para atender às necessidades de seus filhos e netos. Todos os dias, analisava os anúncios dos jornais, comparava preços e pedia a um de seus netos que o levasse ao local da melhor oferta, pois não dirigia. No porão, colocou prateleiras onde distribuía os produtos, em ordem de sua utilidade. Mantinha uma caderneta com as compras de cada um e bastava telefonarmos para encomendar as mercadorias. Passava grande parte de seus dias administrando e repondo seu estoque.

Numa ocasião, atropelado pela correria diária, pedi ao meu motorista que fosse buscar as compras feitas. Recebi um telefo­nema bravo, onde meu avô dizia que a sua venda era unicamente para manter contato com seus familiares e esclarecendo que se isto não ocorresse não havia justificativa para sua existência.

Foi uma das grandes lições que eu dele recebi: preenchia o tempo ocioso com uma atividade que o agradava muito, re­cordando o seu início profissional e que permitia estimular o contato com os que lhe eram queridos.

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