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A Teologia do Domínio é mais perigosa que o Bolsonarismo 

José Antônio Lages * 
 
Em meio ao avanço das investigações que apontam para a articulação de um golpe de estado no Brasil, no final de 2022, vai se delineando outro movimento muito ameaçador. Este movimento ficou muito evidente na manifestação bolsonarista do dia 25 de fevereiro na Paulista. Os discursos de Michelle Bolsonaro, Nikolas Ferreira e do pastor-empresário Silas Malafraude não deixam dúvidas. Tornou-se explícito o projeto da Teologia do Domínio. Em recente entrevista, o professor da UERJ João Cezar de Castro Rocha detalhou o que é a Teologia do Domínio. Ela é a base da doutrina de várias igrejas, como a da Batista da Lagoinha, de Belo Horizonte. Para ele, a democracia corre o risco de se transformar numa distopia teonomista, ou seja, um regime que pretende subordinar toda a nossa vida à religião.  
 
Mas qual seria a pretendida base bíblica para esta Teologia do Domínio? O livro de Gênesis, capítulo 1, versículo 27, diz: “Criou Deus o homem e a sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou”. Agora o versículo seguinte, fundamental para essa discussão: “Deus os abençoou e lhes disse, sejam férteis e multipliquem-se. Encham e subjuguem a terra. Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”. Na tradução do rei James, especialmente em havedominion over”, o que eles entendem é que todos aqueles escolhidos por Deus devem ter domínio sobre tudo, especialmente na direção do Estado. 
 
Quando Michelle diz que chegou a hora da libertação, o que ela está dizendo é: chegou a hora do Estado civil subordinar-se à fé, não à espiritualidade, mas à crença específica que eles professam. Tudo começa, agora, a ficar bastante claro. Desde 1988, a Constituição Federal do Brasil, no seu artigo 5º, assegura o caráter laico do Estado, ou seja neutralidade em relação às religiões, e o direito inviolável da dignidade da pessoa humana de professar a sua fé. Portanto, não apenas o Estado é considerado laico, mas todas as religiões são vistas em pé de igualdade. Em 1988, nenhuma liderança evangélica se opôs ao artigo 5º da Constituição. Mas, agora, é muito diferente. 
 
Um dos maiores mentores da Teologia do Domínio é o escritor norte-americano Gary North. Ele era defensor da escola austríaca, portanto neoliberal, autor de uma obra muito vasta, com uma profunda reflexão sobre economia, política e cristianismo. Ele afirmava que, em uma primeira etapa, com a liberdade de culto assegurada pela Democracia, os cristãos deveriam expandir o número dos fiéis e propagar a sua doutrina. Quando o número fosse suficiente para interferir na vida política, isso deveria ser feito. É o que acontece hoje no Brasil. Agora, entendemos bem os discursos/pregações de Michelle, Nikolas e Malafraude: é chegada a hora! 
 
Em 2008, Edir Macedo lançou o seu livro “A bancada evangélica e seu projeto de poder”. Ele tem como base teórica Thomas Hobbes e o Antigo Testamento. Macedo afirma que Deus é um estadista, Ele é, sobretudo, um gestor da coisa pública. Em 2018, o senador evangélico Haroldo Oliveira afirmou que os evangélicos seriam um terço da população do Brasil. É um público relevante na sociedade. Ele também diz que a Igreja Universal foi a primeira a ter consciência política, logo depois da Constituinte, e elegeu os seus representantes para a Câmara dos Deputados. Tudo bastante esclarecedor. 
 
Anthony Garotinho foi, de fato, o primeiro político a compreender que os evangélicos poderiam eleger um candidato à Presidência. Em 2018 isso aconteceu. Estamos na segunda etapa do projeto de Gary North. A declaração de Michelle Bolsonaro é flagrantemente inconstitucional, mas ela é, sobretudo, uma grande ameaça. Eles estão, de fato, partindo para o momento em que a Teologia do Domínio tentará chegar ao poder político. Nada pode ser mais perigoso do que isso. Isso é mais perigoso para a democracia brasileira do que o bolsonarismo. Assunto muito complexo e urgente que nos obriga a voltar a ele brevemente. 
 
* Consultor técnico-legislativo e ex-vereador em Ribeirão Preto (Legislatura 2001-2004) 

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