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A psicologia e o falseamento da verdade

Como a psicologia explica o porquê de haver pessoas entre nós que negam a ditadura? No 31 de março, dia em que os saudosistas do regime militar comemoravam o golpe de 1964, André Jankavski publicou na Revista Exame um interessante artigo tentando respon­der a esta questão. Em nossa coluna de hoje, vamos comentar esse artigo, trazendo aos nossos leitores uma reflexão sobre essa reali­dade tão atual quanto desastrosa. Jankavski parte de um princípio bastante conhecido na psicologia. Esta explica que os mecanismos de defesa servem para nos proteger do que achamos desagradável. Mas no caso da ditadura militar, que oprimiu nosso país por mais de 20 anos, o resultado pode trazer consequências nefastas.

Bolsonaro afirmou, com todos as letras, que não houve ditadura militar no Brasil, somente uns “probleminhas”. A declaração foi dada no último 27 ao jornalista José Luiz Datena. Assim como o presidente, diversos brasileiros não acreditam que o período de 21 anos em que os militares estiveram no poder, com eleições suprimi­das e com ampla transgressão de direitos, possa ser visto como uma supressão da democracia, mesmo com fatos provando isso. Mas a psicologia ajuda a explicar esse fenômeno. “As pessoas criaram uma blindagem e uma espécie de mecanismo de defesa para a proteção de sua referência e opinião. Às vezes torcendo um pouco a forma da verdade”, diz o professor Hélio Deliberador, da PUC-SP.

Freud, o criador da psicanálise, enfatizou esses mecanismos de defesa. Todo estudante do primeiro período de Psicologia estuda que existe o “superego”, que é o responsável por colocar a nossa moral aprendida em nossas relações pessoais em prática; o “id”, que é o nosso inconsciente e origina os nossos impulsos mais primitivos de sobrevivência; e o “ego”, que tem a função de administrar os dois primeiros para que a pessoa se adapte à realidade. Já os mecanismos de defesa podem ser entendidos como uma tentativa inconsciente do ego amortecer os impactos negativos e fazer com que as pessoas se expressem de maneiras menos afoitas. Um desses mecanismos é o da negação. É o que acontece com aqueles que não admitem a existência da ditadura militar no Brasil.

Neste caso, a negação serve para não se perder uma narrativa. Para Deliberador, em tempos de discursos de ódio como em nossos dias, todo o espectro político se agarra em suas próprias “verdades” para justificar uma ação – mesmo que ela seja facilmente refutada pelos fatos. Uma ditadura normalmente se mantém com a utiliza­ção da violência para reprimir opositores. Não foi diferente no caso brasileiro. A imprensa e outras formas de expressão, como canções e filmes, foram censuradas. Os direitos fundamentais foram negados e a liberdade política hibernou por longo tempo. Diversos problemas foram escondidos pelos militares durante este regime e seus defen­sores se esforçam ainda hoje para esconder.

Daí surge a tentativa de parte dos conservadores de negar que houve uma ditadura. Um dos fatores que a explica foi a falta de exposição e o tamanho desses problemas para as gerações seguin­tes. Temos de admitir aqui, mais uma vez, o fracasso da educação. Essa é opinião de Fernando da Silveira, psicólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Esses eventos traumáticos precisam ser humanizados e debatidos pela sociedade para se entender a violên­cia e os motivos de ela ter acontecido. Somente assim é possível criar um lugar suficientemente pacífico”, afirma ele.

Jankavski afirma que é necessária uma real discussão sobre o assunto. Os alemães não negam o seu passado – nem mesmo momentos vergonhosos como o Holocausto. Lá, campos de con­centração não ficam abertos com o objetivo de atrair turistas, mas para mostrar a todos o tamanho do estrago que o ser humano pode causar. Existem programas de estudo voltados para os estudantes para que possam conhecer aquele período com profundidade. Não apenas para se informarem, mas sobretudo para formarem uma opinião de que aquele passado sombrio não deva se repetir.

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