Tínhamos um amigo querido e fraterno e extremamente
especial.
Filósofo, exercendo sua cátedra nas “Faculdades Barão
de Mauá”, em tempos escuros da ditadura militar, onde
grandes mestres vieram para Ribeirão Preto, pois alguns
foram demitidos e outros afastados das suas funções na
USP, UNICAMP, UFRJ, UNESP e muitas outras, graças ao
nefasto, déspota e sanguinário, “Golpe de 64”.
Aglutinaram-se aqui nomes como: Edward Lopes, Silvia
Carvalho, Fernando Carvalho, Maurício Tragtenberg, Otá-
vio Ianni, Cidimar Teodoro Pais, Osvaldo Sangiorgi, Jesus
Antonio Duran, Maria Aparecida Barbosa e outros talentos
que participaram ativamente o seu tempo e da luta para o
resgate da nossa liberdade e Democracia.
Junto com eles encontrava-se o principal personagem do
acontecimento, o mestre Newton Belizário.
Em uma tarde o professor bateu à nossa porta, atendido
pela minha mãe.
Ele era um sujeito muito cordato e gentil, beijou as mãos
dela, que nunca o havia visto.
Encontrava-se como sempre, elegantemente trajado,
ostentando um vasto bigode e uma calvície acentuada.
A cordial senhora da casa, professora nas Gerais, con-
vidou-o a entrar, ele com toda pompa acomodou-se na
poltrona, aguardando pelo meu irmão Noel.
Depois de trocas de amabilidades, palavras amenas e
alguns assuntos de “esperar o trem”, nosso nobre visitante
solicitou um copo d’água, prontamente atendido pela tradi-
cional hospitalidade mineira.
Minha mãe dirigiu-se à cozinha, voltando com um copo
brilhando, água cristalina sobre um pires de metal daqueles
capazes de refletir nossa silhueta.
O filósofo agradeceu com uma mesura, levantou o copo,
passou pela boca e derramou o líquido sobre a sua cabeça,
depositando o copo de volta ao pires, sob a mão estendida
da anfitriã.
Com uma calma das montas e a certeza de já ter visto
tanta situações pela vida “neste mundo de Deus”, mineira-
mente indagou:
– O senhor aceita outro?
O conceituado Pensador, em um quase imperceptível si-
nal negativo com a cabeça inclinada para frente, agradeceu.
Mamãe ofereceu então um café, voltando minutos
depois, com uma xícara branca de porcelana, pequena e
singela, com uma colherzinha de prata ao lado, juntamente
um pequeno e charmoso quitute no pires prateado, ofere-
cendo-o ao nosso amigo.
Quando o Belizário fez menção de erguer a xícara, mi-
nha mãe prontamente advertiu:
– “Meu senhor, está quente, fervendo”! Acabei de passar.