A excelente historiadora e escritora Mary del Priore acaba de nos brindar com mais uma obra imperdível para quem deseja conhecer nossa história. Trata-se de “À procura deles”, livro onde, depois de exaustiva pesquisa, nos apresenta um grupo de pessoas crioulas, negras e mulatas, que conseguiu vencer as adversidades do período mais escuro de nosso país – a escravidão – e ocupou lugares e cargos expressivos na nossa sociedade.
Desde logo esclarece que a denominação crioulo refere-se ao negro, liberto ou não, já nascido no Brasil e mulato, o nascido da união de branco e negro, termos usados sem nenhum conteúdo pejorativo. Enfatiza a contribuição que os negros deram ao Brasil, trazendo tecnologias desconhecidas pelos portugueses, como a mineração e a joalheira, o que os tornou importantes na economia local.
Desde os tempos da colônia, vários negros conseguiram se alforriar com seu trabalho e se inserir na sociedade da época. Para marcar a sua posição de libertos, vestiam-se em trajes da época. As mulheres alforriadas enchiam-se de joias, a fim de se colocarem à altura das senhoras da elite. A joalheria baiana, com seus berloques de prata cheios de frutas e animais, as figas, como amuletos, destacam-se nos primórdios de nossos dias.
As irmandades de homens pretos e mulatos, fundadas em várias cidades, permitiram e estimularam o surgimento de artistas, escultores e músicos.
As guerras de liberação do Nordeste do domínio holandês fizeram surgir lideranças militares negras, notadamente Henrique Dias, fundamental para o sucesso do empreendimento e que recebeu, do Rei de Portugal, o manto da Ordem de Cristo, condecoração máxima portuguesa.
A autora descreve a participação dos negros e mulatos no período que vai da Colônia à Independência, intensificando essa presença na política brasileira do Primeiro Reinado. Essa atividade deu-se pela iniciativa e esforço dos próprios homens de cor, que foram conquistando espaço na fechada sociedade de então.
As artes sempre tiveram nos negros e mulatos grandes personalidades, como o escultor Aleijadinho, o músico e compositor Padre José Maurício Nunes Garcia, além de inúmeros anônimos que deixaram suas marcas na nossa história. A participação dos negros e mulatos na política do Primeiro e do Segundo Império foi fundamental para a consolidação do novo país e da defesa do fim da escravidão. Nomes como Montezuma, agraciado com o título de Visconde do Jequitinhonha e Torres Homem, Visconde de Inhomirim, deixaram suas marcas nos debates do Parlamento e conduziram a bandeira da libertação dos escravos.
A literatura abriga vários afrodescendentes, o maior deles Machado Assis que, além de sua obra, fundou a Academia Brasileira de Letras. Aliás, durante todo o período estudado, a presença de negros e mulatos alfabetizados supera, em alguns casos, o número de brancos analfabetos.
O estudo, conhecimento e força de vontade permitiram que os afrodescendentes se tornassem grandes médicos, advogados, professores; se elegessem vereadores, deputados estaduais e federais, governadores e senadores; fossem nomeados ministros de Estado, sendo que um deles, Nilo Peçanha, atingiu o mais importante cargo de nosso país, o de Presidente da República.
No epílogo do livro, a autora deixa claro que a história dos personagens, detalhadamente contada, os sucessos nele descritos não ofuscam a barbaridade que foi a escravidão no Brasil, um conjunto de perseguições, humilhações e torturas, em total desrespeito à dignidade humana.
Hoje, os afrodescendentes têm, no papel, o mesmo direito de todos os brasileiros, embora o preconceito ainda resista, num país mestiço como o nosso, onde mais de 50% da população tem genes africanos em seu DNA.
Vale a leitura.