Cumprindo compromisso profissional, passei a semana no Recife e tive a oportunidade de conhecer o local onde funcionou a primeira sinagoga do Brasil e das Américas.
Judeus vieram para o nosso país desde o início da colonização. Em 1502, o Brasil foi alugado a um consórcio comandado por Fernando de Noronha para a extração do pau-brasil, contrato que teria persistido até 1514. No final do século XV, pressionado pela Espanha mais poderosa, Portugal decidiu expulsar os judeus de seu território, mas o rei usou de manobra política para permitir a sua permanência no reino: batizou-os compulsoriamente com a água do Rio Tejo quando já embarcavam para fora do país. Daí surgiram os chamados cristão-novos com sobrenomes portugueses bastante conhecidos.
Em 1534, D. João III resolveu instituir o sistema de capitanias hereditárias na colônia e, no ano seguinte, o donatário Duarte Coelho chega a Pernambuco. Cria-se então, em Olinda, um núcleo de judeus e cristãos novos que praticavam, em casa, seus ritos religiosos. A conquista holandesa em 1630 permite ampla liberdade de culto nas terras pernambucanas e enseja a vinda de centenas de famílias judaicas sefarditas portuguesas que viviam em Amsterdam. Eram filósofos, cientistas, médicos, ricos mercadores e hábeis financistas, que ainda falavam a língua de seus avós e sonhavam aqui realizar o sonho de viver em liberdade.
Dedicam-se ao cultivo do açúcar em engenhos no interior da capitania, e em Recife eram ourives, comerciantes, banqueiros. Congregam-se na região da rua dos Judeus. É nesta rua, que hoje se chama do Bom Jesus que, em 1636, erguem a Sinagoga Kahal Zur Israel (Rochedo de Israel), que viria a ser a primeira do Brasil e das Américas.
Com a expulsão dos holandeses 24 anos depois, a maioria dos cristãos novos dirige-se para Amsterdam, o Caribe e vinte e três vão para a ilha de Manhattan, onde se constituem os primeiros judeus na calvinista Nova Amsterdam, depois Nova York. Fundam a primeira sinagoga da América do Norte, onde os cultos são conduzidos em português até o século XVIII. Cristãos novos também se embrenham no interior de Pernambuco, onde cultivam sua religião discretamente.
Com a vitória, a sinagoga é destruída e assim permanece o prédio descaracterizado até o início do século XX, quando foi demolido e em seu lugar erigido primeiro um banco e depois uma casa de materiais elétricos. Em 1997, pesquisas arqueológicas conseguem achar o local onde ficava a sinagoga. Com o patrocínio de famílias judaicas, localizam-se as paredes originais e a piscina ritual, a Mikvê, usada na purificação dos fiéis. Em 2001, o prédio termina de ser restaurado e hoje abriga o Centro Cultural Judaico de Pernambuco.
No andar térreo, com vãos cobertos de vidros, pode-se ver as paredes, a Mikvê e um conjunto de painéis que contam a história dos judeus no Estado. No primeiro piso, há lembranças do Teatro Ídiche, usado para a divulgação da palavra das escrituras. E no terceiro piso, há uma réplica do salão da sinagoga, onde os fiéis se reuniam. Um pequeno mezanino indica o lugar para as mulheres.
Em frente ao altar e olhando para o nascente, está a Torá, um enorme rolo branco com letras hebraicas. O museu é muito bem organizado, com estruturas modernas erigidas dentro das paredes originais. O teto do último andar reproduz o forro da Sinagoga de Amsterdam. Há toda uma coleção de fotos, onde se pode acompanhar a história dos cristãos novos que, fugindo da perseguição europeia, sonharam em viver livres no Brasil. O conjunto é tombado pelo Patrimônio Histórico.