A questão da tradução poética criativa é uma das mais antigas na Teoria Literária. Haroldo de Campos foi um dos primeiros e mais importantes pensadores a considerar a teoria da tradução em âmbito nacional. Uma das preocupações centrais do movimento da poesia concreta, liderado por Haroldo, junto com o irmão Augusto e o amigo Décio Pignatari, era pensar a questão da tradução criativa, aliada à ambição de reformar o cânone literário. Antes dele, Walter Benjamin, em seu ensaio de 1923, intitulado “A tarefa do tradutor, prefácio às suas próprias traduções de poemas de Baudelaire, buscou refletir sobre a experiência tradutória, chegando à conclusão de que o erro dos maus tradutores seria tentar separar a forma do conteúdo e, o que era extremamente negativo, considerar o segundo, o conteúdo, como aquilo que se deve “transmitir”, ignorando a organicidade estrutural do mesmo. Ao fazê-lo, as traduções se distanciavam do “espírito” das obras, não conseguindo se pretenderem “poéticas”. O que vale em uma obra artística não é o que ela comunica, mas exatamente o que ela tem de incomunicável. A função da tradução seria, sim, recriar, num outro idioma, o que teria sido feito no primeiro. Ou, ao menos, tentar uma aproximação.
De acordo com essa concepção, a tradução seria, na verdade, uma grande falácia, até mesmo uma impossibilidade, o que foi percebido pelos filósofos alemães Max Bense e Albrecht Fabri, para os quais uma “mensagem” e sua “estrutura” eram a mesma coisa, ou seja, a “informação estética” da obra. Para ambos, qualquer alteração na forma, por mínima que fosse, alteraria completamente o sentido. Porém, aceitando-se esse princípio, a tradução seria, de fato, inviável. É justamente essa qualidade que possibilita que a tradução poética seja outra coisa, e não a simples transmissão de conteúdos prévios. Ela é a possibilidade de recriar, seguindo uma mesma lógica, não uma lógica aristotélica, mas uma lógica poética. “A tradução é uma forma. Para apreendê-la como tal, é preciso retornar ao original. Pois nele reside a lei dessa forma, enquanto encerrada em sua traduzibilidade”, diz Benjamin. Em sua poética tradutória, Haroldo, grande leitor do filósofo alemão, interpretou tal afirmativa como um convite. Quanto mais “intraduzível” parecer uma obra, por ter abalado mais profunda e tensamente o idioma em que foi escrita, mais aberta à recriação ela será, porque oferecerá ao tradutor a chance de realizar aquele mesmo procedimento estético em sua própria língua, causando nela o mesmo estranhamento que o original causou à sua. É a isso que Haroldo denomina trans-criar.
O movimento de poesia concreta foi lançado em 1956. Trazendo nomes como Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Ferreira Gullar, agrupados desde 1952. Foi o primeiro movimento internacional que teve, na sua criação, a participação direta, original, de poetas brasileiros. Constituiu-se em São Paulo, como o movimento anterior de renovação, o Movimento Modernista de 1922. O ideal da poesia concreta é a Forma, entendida como o conjunto de relações e tensões que se organizam em unidade, propondo o poema-objeto em que se utilizam múltiplos recursos, a saber, o acústico, o visual, a carga semântica, o espaço tipográfico e a disposição geométrica dos vocábulos na página. Dentre seus precursores brasileiros estão Oswald de Andrade e João Cabral de Melo Neto (linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso. Sua dissidência, no final da década de 50, dá origem a uma nova tendência de vanguarda: a Poesia-Práxis, que lançou seu Manifesto Didático em 1961, assinado por Mário Chamie, se principal poeta. Defendia o princípio de que a palavra é uma célula viva do discurso, valorizada por sua peridiocidade e repetição
Neste caminho, alterou profundamente o contexto da poesia brasileira. Como? Colocando novos autores e novas idéias em circulação, propondo revisões da prática tradicional de criação de poemas, dialogando com a Semana de 22 ao propor que conteúdo ideológico revolucionário só gera poesia válida quando é também veiculado de forma revolucionária e aparecendo na linguagem e na visualidade cotidianas: no texto de propaganda, no título de jornal, no slogan de televisão, nas letras de música da bossa nova. Haroldo, poeta e tradutor literário (Mallarmé, Joyce e Maiakóvski), autor de inúmeros textos críticos sobre obras de importantes artistas plásticos, gráficos e visuais brasileiros e de traduções críticas de textos literários, por ele denominadas de transcriações vai além da crítica tradicional, buscando dialogar com as obras de arte visuais sobre as quais escreve. Seu procedimento-chave é: a) identificar a lei organizadora da obra visual para, a seguir, b) construir um texto estruturado sobre a lei verbal análoga. O resultado é uma forma de tradução intercódigos da obra criticada, definida por Jakobson como “traduções intersemióticas”.