Tribuna Ribeirão
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A palavra como ação

A Feira Nacional do Livro e Leitura de Ribeirão Preto in­cluiu na sua programação, para reviver a experiência inovadora ocorrida no Instituto de Educação Otoniel Mota, antes Ginásio do Estado, o Parlamento Estudantil, dos anos de 1957 e 1958. O tema do encontro foi o livro “Veias Abertas da América Lati­na”, do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano.
Os convidados foram os antigos alunos Rui Flávio Chufalo Guião, Antônio Golfeto, o patrono da Feira, Sergio Roxo da Fonseca, Sidnei Benetti (a greve impediu-o de estar presente) e Feres Sabino. O efeito foi contrário, se se pretendia arrom­bar o arquivo do tempo, para simbolicamente retirar dele um corpo ausente de vida e vibração, procurando-o nas palavras daqueles sobreviventes.

O efeito foi contrário, pois as palavras, como valores e como princípios, se desdobram no tempo. Elas eram, lá no Parlamento, de problemas nacionais, sociais, culturais e políticos, e impregnaram o espírito, a consciência e a rota da vida de cada um, marcando-os fundamente, já que todos exerceram ou exercem funções públicas ou privadas, na quais a narrativa da palavra, como discurso ou retórica, indepen­dentemente da posição político-ideológica, constitui um laço à crença no futuro do país.

O Parlamento abriu o cofre do acumulo ético, moral, cultural e cívico, fazendo-nos crer que pela força da palavra poderíamos construir um país livre, democrático e justo. Houve um hiato com o golpe civil e militar de 1964, quando até se pensou em matar a palavra com um tiro na boca. Só que a esperança retomou o campo fértil da fé, com os poetas ocupando os espaços censurados dos jornais, com os protes­tos estudantis, com a tortura denunciada, com os discursos parlamentares na terra do “quem sabe e do talvez”, com o clamor popular das “diretas-já”, com os sermões religiosos.

O livro de Eduardo Galeano, que é denso de atos e fatos de humilhação, de pilhagem da América Latina e do Brasil, reve­la com crueza a postura colonial das elites só voltadas para o exterior, beneficiando-se, econômica e financeiramente dessa vinculação. Nenhum olhar para a população, nenhum olhar para um desenvolvimento sustentado, somente o “divino mercado”, que não é o mercado interno do consumo massivo, mas o mercado das bolsas e das finanças.

O Parlamento Estudantil, por seu lado, nos revelou as veredas do desenvolvimento do país e nos convidou ao com­promisso de lealdade com ele, como também estabeleceu as regras de convivência dos contrários sem equipará-los, para lembrar Tristão de Atayde.

A palavra do Parlamento, que é individual na singularida­de de sua expressão e coletiva na evolução de sua grafia e sig­nificado, é irmã siamesa da palavra de Galeano, que pergun­tado, um dia, Por que escrevemos? Respondeu: “Escrevemos a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os outros, para denunciar o que dói e partilhar o que nos dá alegria. Escrevemos contra própria solidão e contra a solidão dos outros…”.

A primeira edição brasileira é de 1978, e a segunda é de 2010, esta última veio com uma declaração melancólica e triste de seu autor –“Esta obra (infelizmente) é atual”. Afinal a pilhagem continua, com a reação esparsa de países, que se insurgem contra a globalização financeira, que sobrepaira fronteiras, querendo fazer da soberania popular e dos poderes que a representam um esqueleto sem alma.

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