Por Adalberto Luque
A Avenida Nove de Julho foi considerada, por décadas, um dos principais cartões postais de Ribeirão Preto. Mas isso mudou no dia 21 de junho de 2023, quando começaram as obras de revitalização da avenida, que tem calçamento de paralelepípedos e o canteiro central, com mosaicos portugueses, tombados pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT).
O projeto que foi licitado previa a recuperação do calçamento da via, mantendo os paralelepípedos nos pontos onde eles já existiam. Além disso, não alteraria a estrutura do canteiro central, mantendo os mosaicos portugueses lá instalados e as sibipirunas que foram plantadas.
O processo previu investimentos de mais de R$ 18 milhões, com conclusão em junho de 2024. Além do piso, do canteiro central e da manutenção das árvores, previa também acessibilidade nos cruzamentos e retornos da avenida, e corredores de ônibus dentro do Programa Ribeirão Mobilidade.
Contemplava a implantação de duas galerias de águas pluviais de grande porte, com todo o atual sistema de drenagem da avenida refeito e melhorado, levando a água até o córrego Retiro Saudoso, na Avenida Francisco Junqueira.
Polêmicas, problemas e desistência
Entidades representativas, comerciantes e moradores do entorno da avenida reclamaram da forma como tudo foi conduzido. Mas a obra prosseguiu, até que no dia 16 de agosto um operário de 59 anos morreu soterrado.
Foi paralisada por alguns dias, para trabalho de perícia. Desde então, os problemas se somam e transformaram o antigo cartão postal em cenário de medo, insegurança e insatisfação popular. Até o desfecho melancólico com o abandono da empresa que havia vencido a licitação menos de seis meses após o início e com apenas 7% do previsto concluído.
Segundo o jornalista André Rezende, que integra o Comitê de Acompanhamento da Obra, com o esvaziamento ocorrido em maior escala após a desistência da vencedora da licitação, a insegurança é constante para quem vive, trabalha ou passa pela avenida e seu entorno.
“Há relatos de ameaças às pessoas. A funcionária de uma empresa foi ameaçada por alguém com faca e acabou levando uma pedrada. Empresas e residências foram invadidas e furtadas. Há vários relatos de furtos de fios e tentativas”, enumera Rezende.
O comitê reúne 22 instituições de classes empresariais e cerca de 60 empresas que foram diretamente impactadas. O jornalista também cita os problemas no canteiro de obras, que considera desorganizado, sem tapumes, sem vigilância e sem iluminação.
“Com isso, aumenta a presença de pessoas em situação de rua, que se instalam por lá para furtar fios, invadir residências que estão fechadas, imóveis onde os empresários não aguentaram o impacto econômico das obras e encerraram suas atividades. Há grupos que se reúnem em frente aos imóveis onde quase não há iluminação para consumo de drogas e atos de vandalismo”, denuncia.
Impacto negativo
Paulo Cesar Garcia Lopes, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Ribeirão Preto (Sincovarp) e da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), acredita que o processo, além de ter sido conduzido de forma equivocada, não analisou de forma mais detalhada os impactos que isso pudesse causar aos empresários, trabalhadores e pessoas que circulam pelo local.
“A cada qual cabe sua parcela de zelar. A forma como a região foi abandonada, além de ter a obra conduzida de forma equivocada, causou tudo isso. A Prefeitura falhou demais ao não medir o impacto negativo. Acredito que tenham feito um grande estudo sobre o impacto ambiental da obra. Mas e o impacto econômico e social? Foi tudo feito sem que houvesse diálogo com todos os envolvidos, inclusive empresários, trabalhadores e população que passa por lá”, explica Lopes.
O Sincovarp e a CDL já tiveram problemas em outras regiões de Ribeirão Preto com as obras que têm sido realizadas. “A imagem do prefeito foi comprometida. Ele está conseguindo realizar muitas obras, mas ficou comprometida. A Avenida Nove de Julho não será entregue em sua gestão e vai ficar essa imagem com um dos principais cartões postais da cidade”, acrescenta.
Criminalidade aumentou 80%
A Taurus Segurança, empresa especializada em vigilância e monitoramento patrimonial, tem mais de 200 clientes na região da Avenida Nove de Julho. Segundo seu diretor, Kenderson Morais, somente em dezembro houve um aumento de 80% no número de ocorrências registradas na região da avenida, apenas em empresas monitoradas pela Taurus.
“Foi muito impactante na demanda de nossos clientes. Aqui fazemos o acompanhamento, para coibir e prevenir ações, além do coercitivo. Sempre que notamos algo, acionamos a Polícia Militar. E isso cresceu por demais naquela região”, explica Morais.
Os furtos e tentativas são os mais diversos. Foram fios de cobre, aparelhos de ar-condicionado. Houve até a invasão de uma empresa que atua há 30 anos na avenida e que teve 70% de seu estoque levado durante um furto.
Um dos diretores desta empresa, que prefere não se identificar, conta que a avenida ficou cada vez mais deserta com o começo das obras e o movimento caiu 70%. “Hoje nossas vendas se resumem basicamente aos negócios fechados por telefone ou WhatsApp. Passam-se vários dias sem que um único cliente venha fisicamente à nossa loja”, lamenta.
Joel Horácio, dono da franquia Açaí da Barra, Nove de Julho, é outro que já sofreu na mão dos criminosos que aproveitam a falta de movimento e péssima iluminação no local. Sua loja já foi invadida quatro vezes. Os prejuízos foram grandes.
“Numa das vezes cortaram fios. Sorte que eram de internet. Temos seis freezers e outros compartimentos gelados. Se tivessem cortado esses fios, teríamos uma perda total de nossos produtos”, observa. A loja de Horácio também foi alvo de invasão para furto. Os ladrões entraram de madrugada e levaram dinheiro do caixa. “Agora contratamos uma empresa de segurança, não adianta tentar fazer sozinho”, diz o empresário, que já está analisando deixar a avenida, a exemplo de outros tantos empreendedores.
O presidente do Sincovarp disse que recentemente reuniu-se com o comando da Polícia Militar naquela região e que conseguiram que o policiamento fosse aumentado. A PM teria criado um programa de Vizinhança Solidária, que demonstrou eficiência no combate aos crimes de furto e roubo em diversas regiões da cidade, agora implantado exclusivamente naquela avenida e região.
Mas o mesmo não foi obtido junto à Guarda Civil Metropolitana. Um ofício foi enviado à GCM solicitando aumento no patrulhamento e, mesmo com os paralelepípedos terem sido tombados -e na teoria responsabilidade do órgão municipal de segurança – o pedido não foi atendido.
Incertezas e vaias
Com a desistência da empreiteira que tocava a obra – e que deveria ter concluído neste momento 40% do projeto e não os 7% informados pela Prefeitura – e a falta de interesse na segunda colocada, haverá um novo processo de licitação. A Prefeitura estima concluir entre 60 e 90 dias.
Até lá, podem continuar ocorrendo registros tão assustadores como os anotados por Morais, da Taurus Segurança. Numa única noite/madrugada, foram nada menos que 12 ocorrências registradas. Ninguém aguenta mais. Lopes do Sincovarp presenciou, na semana que antecedeu o Natal, na apresentação dos Meninos Cantores nas janelas do Pinguim, no dia 17 de dezembro, “Quando o nome do prefeito foi anunciado pela maestrina, houve uma sonora vaia”, concluiu.
O que diz a Prefeitura
A Prefeitura e a Secretaria da Segurança Pública (SSP) se manifestaram através de notas.
“O governo municipal está sensibilizado com a situação dos comerciantes da avenida Nove de Julho. Como é de conhecimento, as obras de revitalização, reforma e construção do corredor de ônibus da avenida Nove de Julho vão passar por uma nova licitação. A comissão de licitações da prefeitura de Ribeirão Preto, já está trabalhando incansavelmente na elaboração dos documentos do novo processo, que deve ser concluído entre 60 e 90 dias, no máximo. O governo municipal irá levar até a Secretaria de Segurança Pública, órgão responsável pela segurança pública no estado, as reclamações dos comerciantes da avenida Nove de Julho, com objetivo de contribuir para que seja realizado de forma mais ostensiva o trabalho de vigilância na região, com o intuito de coibir a violência. Nos próximos dias, a secretaria de Obras Públicas, secretaria Infraestrutura e a RP Mobi deverão acertar os detalhes de como serão realizadas as intervenções na avenida, como limpeza e liberação das calçadas, contenção do canteiro de obras e a criação de bolsões de estacionamento, com objetivo de atenuar os transtornos ocasionados no local para quem trabalha e passa pela Nove de Julho”, esclareceu a Prefeitura.
SSP
“As forças de segurança de São Paulo têm direcionado recursos para combater a criminalidade em Ribeirão Preto, incluindo a região das avenidas Nove de Julho e Independência. Como resultado, de janeiro até outubro deste ano, os roubos em geral apresentaram queda de 12,8% na cidade em comparação com o mesmo período do ano anterior. Além disso, 3.505 infratores foram presos/apreendidos – 44% a mais em comparação à 2022. Adicionalmente, 154 armas de fogo foram retiradas das ruas de Ribeirão, enfraquecendo as atividades ilícitas. O policiamento segue intensificado por meio da Operação Impacto, com foco nos locais de maior incidência criminal”, encerrou a SSP.
História centenária
A Avenida Nove de Julho foi inaugurada em 1922, mas chamava-se Avenida Independência. Foi idealizada pelo então prefeito João Rodrigues Guião. Em 1934, para homenagear a Revolução Constitucionalista de 1932, a avenida passou a se chamar Nove de Julho.
Os paralelepípedos foram instalados em 1949, no trecho compreendido entre as ruas Barão do Amazonas e Cerqueira César. Neste mesmo ano foram plantadas 40 árvores sibipirunas.
Na década de 1960 a avenida foi a preferida da elite econômica da cidade, com seus belos casarões. Depois passou a ser centro financeiro, com agências de bancos nacionais e internacionais. Foi ponto de encontro em bares que reuniam a juventude dos anos 1980. Nos anos 1990 recebia o tradicional desfile do Bloco das Piranhas.
Na virada do século, passou a abrigar muitas lojas e restaurantes, até que seu piso ficou comprometido, dificultando o tráfego. Hoje a Avenida Nove de Julho agoniza.