Em 1983 a Guerra Fria ainda fazia parte do cotidiano do noticiário mundial, o Muro de Berlim só cairia em 9 de novembro de 1989. Era um ano em que o chamado Mundo Ocidental, formado pelos países do lado oeste do Muro fortemente influenciados pelos Estados Unidos, começava a sair da grave situação econômica e política em que se metera durante os anos 70. Do lado leste quem dava as cartas era a Rússia, cabeça da União Soviética na região europeia conhecida como a Cortina de Ferro. Ali começavam a pipocar os movimentos nacionalistas, desejosos de sair da submissão forçada aos russos. Nos dois lados a pressão popular por mudanças políticas e econômicas era muito forte e as reações dos donos do poder costumavam ser opressivas e violentas. A Guerra Fria começou logo após a Segunda Guerra e estendia-se a todos os campos imagináveis, incluindo os esportes, a cultura, a indústria e, principalmente, a corrida pela hegemonia militar mundial.
O lado ocidental tem uma aliança militar existente até hoje chamada OTAN, a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Ela é derivada da Organização de Defesa da União Ocidental, criada no Tratado de Bruxelas assinado em 1948 por Bélgica, Luxemburgo, Países Baixos, França e Reino Unido. A OTAN foi formalizada em 1949 com a adesão dos Estados Unidos e outros países ocidentais. Hoje conta com 31 países membros. Já o Pacto de Varsóvia, criado em 1955, era o contraponto militar da OTAN e reunia os países sob a influência da União Soviética. Até o final do Pacto de Varsóvia não houve enfrentamento direto entre os dois blocos militares, mas conflitos ao redor do mundo, apoiados pelos dois lados, por ideologia, independência de países colonizados ou interesses estratégicos, marcaram toda a segunda metade do século XX.
A corrida armamentista levou a uma insana produção de armas nucleares, com poder de destruição impossível de imaginar e que assustou o mundo em várias crises políticas. O poder de destruição mundial por uma guerra entre os dois lados deixaria um planeta deserto e sem vida. E isso poderia acontecer em minutos. Poderia? Não, ainda pode acontecer e a bússola da guerra nuclear começa a girar apontando para ser uma ameaça real em um futuro não tão longínquo.
Segundo a Federação dos Cientistas Americanos (FAS – Federation of American Scientists), organização que se dedica a acompanhar a evolução da ameaça nuclear no mundo desde 1945, a Rússia tem o maior arsenal nuclear, com 5.889 armas nucleares estimadas. Os Estados Unidos possuem 5.244. Desse total a Rússia tem 1.674 ogivas estratégicas armadas e prontas para uso e os Estados Unidos têm 1.670. O restante, em ambos os lados, são destinadas ao uso tático.
Vale aqui esclarecer a diferença entre arma nuclear estratégica e tática. As armas estratégicas são capazes de atingir o inimigo a grandes distâncias, com poder destruidor muito maior que o das armas táticas. Fazendo uma comparação: as bombas que atingiram Hiroshima e Nagasaki tinham um poder de 15 quilotons cada uma, o equivalente a quinze mil toneladas de dinamite. Uma arma nuclear tática, usada para atingir o inimigo em áreas mais próximas pode ter potência entre 1 e 100 quilotons. Já as armas estratégicas, como as bombas de hidrogênio, podem chegar a alguns megatons. Um megaton equivale a mil quilotons. Outra diferença é a forma de “disparar” a bomba. Os armamentos estratégicos podem ser lançados por mísseis intercontinentais (ICBMs), bombardeiros estratégicos, navios e submarinos. Existe uma explicação para essas formas diferentes. O lado que for atingido primeiro sempre poderá contra-atacar de uma forma ou outra. Armas táticas podem ser lançadas por mísseis de médio e curto alcances, bombardeiros táticos, canhões e veículos, como caminhões e trens.
A não definição da situação da guerra na Ucrânia está colocando de cabelo em pé os que se preocupam com uma situação geopolítica que leve a uma guerra estratégica entre os dois lados: a OTAN militarmente hegemônica encabeçada pelos Estados Unidos e a Rússia, que ainda se ressente com a perda de seu poder de influência no mundo. Acuar uma potência militar nunca foi boa política e parece que os Estados Unidos estão convencidos de que estão lidando com um urso que perdeu as garras e os dentes. Não é bem assim. Nesta semana a Rússia fez a primeira jogada nuclear do conflito, anunciando que moverá, em breve, parte de seu arsenal nuclear tático para a sua aliada Belarus, no norte da Ucrânia. Mau sinal.
Citei o ano de 1983 no início do texto porque foi o ano de lançamento do filme “Wargames – Jogos de Guerra”, dirigido por John Badham e estrelado por Matthew Broderick. Para quem não assistiu ou não se lembra da trama, ele mostra como um adolescente consegue acessar, via a internet da época, um supercomputador que estava sendo testado pelo Pentágono para comandar a defesa estratégica dos Estados Unidos no lugar dos comandantes militares e disputa com a máquina um jogo de guerra mundial termonuclear. Na sequência, chega-se a uma situação limite de quase destruição do planeta. Que eu me lembre, esse foi o filme que mostrou pela primeira vez a possibilidade de se outorgar para uma “máquina” dotada de inteligência artificial o poder de decisão estratégica em um cenário de guerra nuclear. Mesmo feito com baixo orçamento, aborda o assunto corretamente.
Semana que vem tem mais, até lá.