De modo geral, o alcance da neurociência do treinamento cerebral visa adaptar as habilidades cognitivas humanas às condições ambientais em que se vive. Uma vez atingido tal potencial máximo através do treinamento cerebral, o indivíduo passa a reconhecer a importância de impor desafios a si mesmo para enfrentar os obstáculos rotineiros de seu caminho. Treinar o cérebro torna-se, então, uma forma gradativa de aperfeiçoar processos mentais que irão melhorar nossas capacidades. Mas, cabe aqui uma indagação: e o patrimônio genético? Quando treinamos o cérebro estamos modificando-o? Respondamos com um paralelo indutivo. Um atleta de baixa estatura pode, por certo, treinar diversas cestas até se tornar um campeão, mas jamais esses mesmos treinos irão modificar sua estatura. Esta é determinada geneticamente. Já treinar o cérebro é ato semelhante a treinar o corpo. Somente perseverando e aumentando gradualmente a dificuldade do treino, como fazem os atletas, um indivíduo impede que o exercício se torne rotina e consegue alcançar seu máximo potencial. Quando isso começa? Logo que nascemos.
Esclareçamos: (1) os ambientes que os pais preparam para seus filhos, quando ricos em gradativos estímulos visuais e sonoros, são ditos complexos e, como tais, estimulam diversificadas mudanças que reclamam a adaptação humana. Em outras palavras, ao proporem desafios ao cérebro das crianças, favorecem a ocorrência de mais sinapses e arborização dendrítica que, elevando a vascularização cerebral, fazem com que o indivíduo ajuste suas habilidades cognitivas para encontrar suas próprias soluções. Mas o homem cresce e, amadurecendo, como se configura essa estimulação? É ai que entram as atividades do treinamento cerebral mais corriqueiras e, ainda que em estudo de confirmação e reafirmação científicos correntes, verifica-se que elas se encontram nos mais diversos ambientes de vida ativa, tanto física quanto mentalmente.
Vejamos como: (2) Praticando esportes e atividades físicas. Exercícios aeróbicos, por envolverem respiração, ao serem praticados com regularidade, cerca de trinta minutos por dia, beneficiam as capacidades cerebrais e influenciam a memória de trabalho e suas funções executivas, elevando a produção de proteínas encontradas no cérebro e na periferia deste que ajudam na sobrevivência neuronal e no processo de formação de novos neurônios através de células-tronco e progenitores neurais. E estes benefícios cognitivos permanecem até a velhice, atuando, mesmo, como protetores contra doenças como o Alzheimer e afins. Continuando: (3) Treinar a memória de trabalho. Observar, por exemplo, figuras intermitentes, ou seja, que aparecem e desaparecem, buscando verificar se elas reaparecem no mesmo lugar da vez anterior. Esta prática obriga o cérebro a reter a informação recente por um período de tempo no qual, ao compará-la, em seguida, com a informação atual, estimula outras habilidades, como a fluência de raciocínio, por exemplo. Nestes casos, importa que, com o tempo, o nível de complexidade vá aumentando. Como? Combinando, por exemplo, ouvir uma série de números e repeti-los na ordem inversa, e similares. De modo geral, atividades combinadas, bem como, aprender a tocar um instrumento, aprender um novo idioma, assistir filmes em suas versões originais, no início com legendas em português, e depois sem estas, também são formas de treinamento cerebral.
Por certo, nas crianças, a neuroplasticidade está no seu ponto mais alto, o que facilita a aprendizagem. Entretanto, o ser humano, para sobreviver, necessita continuar aprendendo por toda a vida e isso requer adaptação de atividades às habilidades e à idade de cada indivíduo. E se crianças costumeiramente tem “preguiça” algumas vezes, com os adultos não é diferente: muitos apresentam “falta de motivação”. Nestes casos, usar as relações sociais para promover campeonatos de sudoku, ou de palavras cruzadas, ou de xadrez, ou de outros passatempos em grupo, como cantar, dançar, etc, além de impedir a cessação das atividades, garantem o impacto positivo das mesmas a nível cognitivo. Eis que chegamos à (4) leitura. Ler estimula a percepção, a memória e o raciocínio, processos mentais por excelência. Ler leva à decodificação de estímulos visuais (letras, palavras, frases), seguida da transformação destes em sons mentais que lhe darão significado. Esta ativação, por atingir grandes áreas do córtex cerebral, promove, também, a imaginação e o aprendizado de novos vocabulários.
Na sequência, havemos de falar de (5) criatividade e, inserido nestas, de (6) práticas teatrais e pinturas, tão antigas como a humanidade, e responsáveis, como as artes em geral, em proporcionar maior flexibilidade mental e originalidade pela ativação de redes neurais específicas. Ambas, indutoras de resiliência que são, ajudam, em conjunto, a lidar com alterações, mudanças e perdas inevitáveis na vida humana. Por fim, como não mencionar (7) os cálculos matemáticos. Forma consciente primeira de compreender a racionalidade da arquitetura que a tudo engendra (corpos, construções, formas, quantidades, etc), eles elevam a concentração, incentivam a independência e estimulam a descoberta de produtos e processos a qualquer momento. Com isso, verifica-se que treinamentos cerebrais, mais que promotores da continuidade de ações do ser humano ativo, e da prevenção, e compensação, de doenças neurodegenerativas, revelam-se como reais mudanças de hábitos que ajudam o indivíduo a obter o máximo desempenho da própria mente. Uma janela de oportunidades, como dizem os médicos em seu jargão cotidiano, que não deve, portanto, ser preterida por nenhum de nós.