“No velho barranco/ ao pé da estrada/ tem casa de vespa brava/ Ouse desmanchar o monturo/ feroz ferroada/ Záz! pálpebra inchada/ Caminha pelas cercanias/ uma vaca leiteira/ suponho que ignore a vespa/ No meu caminho tem monturo e touro/ mas olho o céu com gosto”
Este artigo reflete minhas inquietações como profissional que trabalha na área ambiental e que escreve poesia. Meu olhar para as paisagens naturais, menos ou mais transformadas pela ação do Homem, é em um primeiro momento, o olhar de um ecólogo. Costumo enxergar, empiricamente, por meio da vegetação, mas também pelas águas, pelo solo, pelos animais e pelos seres humanos, o quanto determinada paisagem está protegida, sadia, ou o quanto está destruída e comprometida em sua vitalidade.
A saúde de um ecossistema pode ser mensurada por meio da avaliação de sua funcionalidade na troca de matéria e energia entre as espécies e destas com o meio onde vivem. A Ecologia enquanto ciência clássica se dedicou e se dedica em grande parte ao estudo dos ciclos biogeoquímicos e das cadeias tróficas. É possível ver e registrar a natureza se expressar, não só ao longo das estações do ano, mas também na sua diversidade, sua resiliência, integridade ou degradação.
Vale a pena deixar claro que os seres humanos fazem parte da natureza e não estão apartados dela, embora sintamos essa cisão. O incessante desejo ou mesmo obsessão de controlar os processos naturais é um equívoco comprometedor que têm suas principais raízes na Revolução Científica dos séculos XVI a XVIII.
Identifica-se historicamente que neste período o Homem se arvorou como ser superior e desde então essa prepotência só aumenta a cada nova fase do sistema capitalista; um modelo que externaliza sua contumaz exclusão. Mas também deve ficar claro que não foi somente esse rompimento natureza/homem que herdamos daquele período. Continuamos a colher intermináveis avanços nas diversas áreas do conhecimento. Credita-se ao acumulado conhecimento científico, grande parte da possibilidade de nos safarmos das catastróficas consequências das mudanças do clima.
Mas é fato que ao separarmos pensamento de corpo e alma, cindimos nossa existência.
Estar em uma paisagem silenciosa, seja ela rural, urbana ou mesmo original, sempre foi motivo de inspiração para os poetas. Uso aqui o termo “silêncio” com a conotação de paz, de equilíbrio e de integração com o espaço físico.
As cidades, por exemplo, não precisam ser, necessariamente, ruidosas e poluídas como são as nossas. Da forma como são construídas expressam uma aberração natural já que são ecossistemas de incomensurável gasto energético, profunda dependência de ambientes externos e gigantesca ociosidade de espaços improdutivos.
A deterioração das águas, das espécies, dos solos, da atmosfera e do clima é, em síntese, a própria degradação humana. Como os poetas retratam esse declínio civilizatório?
Acabo de lançar meu segundo livro de poesia, intitulado “Na nervura da folha”, pelo selo Corixo Edições. Uma parte dos poemas expressam meu desconforto com a erosão do mundo, não obstante os esforços de muitos para reverter esse rumo errático em velocidade descontrolada. Eis um poema que trata da extinção das espécies:
“Gostaria de estudar os macucos/ De fazer foto de anta com borboletas/ Queria sentir medo de onça-pintada/ E contemplar patos selvagens no Pantanal/ Ouviria caturritas em pé de macaúba/ Supondo grande sucuri em vereda de buritizal/ Nadaria junto a piraputangas/ Escutando araponga no meio da tarde/ Navegaria em águas doces para ver botos/ E mergulharia em igapós procurando pirarucus/ Moldaria pegadas de tatu-canastra/ Surpreendendo você a mostrar-lhe um tatu bolinha/ Sairia em busca de saíra de sete-cores/ Procurando tiê-sangue na Jureia/ Me embrenharia na Mantiqueira atrás de canários/ Observando paineiras brancas na Bodoquena./ Tudo teria sabor de vida/ Tudo seria bem melhor/ Em nada eu me preocuparia/ Se todas as espécies estivessem a salvo.”