Sempre que ouço uma música e ela me desperta interesse, logo vou pesquisar de quem é a letra, então passo a imaginar que situação o autor viveu para que alguém pudesse merecer uma canção. Sempre digo que toda música tem um motivo, até aquela por encomenda tem um motivo. Um exemplo de música por encomenda: ao belíssimo samba do Paulinho da Viola “Pecado Capital”.
Estávamos tomando chope com ele na Churrascaria Coxilha dos Pampas quando Sócrates começou a lhe fazer perguntas sobre suas composições. Tínhamos a tarde toda pra uma maravilhosa resenha, e Paulinho foi contando seus causos. Disse que não gosta de compor por encomenda, mas que certa manhã recebeu uma ligação de um diretor de novelas encomendando uma música que seria tema da novela das oito.
O pediu uma semana de prazo pra desenvolver o tema, e o cara disse: “Paulinho, ela tem que ser composta e gravada até amanhã cedo, porque a novela estreia às oito da noite”. Assim que o cara desligou, Paulinho disse que passou a mão no violão, fez um lá menor e como se estivesse sonhando, a música e a letra nasceram num parto sem dor. Em minutos estava pronta. Ele mostrou a obra pro diretor, que adorou. Paulinho convocou os músicos, na manhã seguinte gravaram e logo à noite ela abriu a novela. Canto e gosto muito deste samba: “Dinheiro na mão é vendaval, é vendaval, na vida de um sonhador, de um sonhador…”
“Sócrates”, disse Paulinho, “te dei exemplo de samba por encomenda, agora vou te contar sobre um motivo pra compor um samba. Eu era menino e naquele tempo a gente saía com amigos pelo Rio de Janeiro afora, íamos de um lugar pra outro e nossas mães nem ficavam sabendo por onde a gente andava, nem tinha como avisar, ninguém tinha telefone. Um dia saímos à tardinha, a noite chegou e tivemos a ideia de assistir ao desfile das escolas de samba.
Ninguém tinha grana, naquele tempo as arquibancadas eram de madeira, pulamos o cercado e fomos subindo por dentro, quando, por um vão bem lá no alto, pude ver uma escola entrando na avenida. Era a Portela com suas cores de um azul que era um sonho e um branco que ofuscava, o público foi ao delírio e eu emocionado assistindo a tudo.
Quando a veia de compositor invadiu o meu peito, um belo dia me veio a lembrança dessa noite, dessa Portela que me encantou, tudo que vi e senti, botei na letra, assim nasceu meu maior sucesso: ‘Foi um rio que passou em minha vida’”.
Mudando de artista, sempre cantei na noite canções do Wando, mas uma delas me deixava intrigado, pois queria entender o que ele queria dizer com a letra da música “Coisa cristalina…” Ele esclareceu tudo em uma entrevista. Disse que um amigo estava se destruindo com a cocaína, além de ter perdido todo seu capital, sua família, amigos, empresa e outras cositas más. Wando sempre o aconselhava, ele dava um tempo e depois voltava com tudo. Pra construir a letra, o compositor e cantor esconde a cocaína sutilmente, mas já me deixava desconfiado, sempre com um pé atrás. Veja só:
“Lá vou eu de novo, coração nos olhos, num final de tarde me sentindo assim… Cheio de vontade, de te ver de novo, coisa cristalina, meu raio de luz, meu amanhecer. Coisa, coisa cristalina, mata meu desejo, mata minha sede, deixa eu te querer… queria ser um beija-flor, repousar no seio desse seu amor e ficar… e na prisão dessa ternura nunca mais sair, coisa cristalina, vem brilhar em mim”.
Como sempre digo, toda música tem sua história.
Abreijos amigos, sexta conto mais.