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A luz está pedindo passagem!

A formação da cidadania é um processo coletivo que acon­tece na convivência familiar, na educação básica, até o 9º ano do ensino fundamental, e nas ruas. No entanto estes três parâme­tros, no Brasil nunca se amalgamaram. Tínhamos uma educação familiar rigorosa, onde os castigos físicos e psicológicos eram naturalizados, e a escola impingia ao aluno o mesmo compor­tamento violento provocando um sofrimento desnecessário, e impedia qualquer manifestação de felicidade. Diferentemente dos dias de hoje, a rua para os meninos era o único lugar para expressar a felicidade, ali se jogava bola, soltava pipa, rodava pião, e na convivência com os mais velhos, os assuntos que não se falava no seio familiar eram absorvidos e aprendíamos o que era viver em sociedade.

Já o mundo das meninas tinha outras peculiaridades. O rigor com a educação feminina era pautado na religião e no pecado. A castidade das filhas era a honra da família, principalmente das famílias pobres. Muitas famílias pobres impediam que as meninas se alfabetizassem, pois podiam através da leitura ter ideias próprias e querer conhecer outros mundos. Na escola havia classes só para meninas, para evitar que se misturassem com os meninos, e a vigilância era rigorosa. Sair às ruas só acompanhadas, pelo pai ou irmãos. E este tipo de educação fraturada, que permeou até mea­dos do século passado não permitiu que houvesse a autonomia, e nem a construção da cidadania, e sem cidadania não existe Nação.

O ECA (Estatuto da Infância e Adolescência), reconhecido mundialmente como um instrumento avançado na proteção da infância e adolescência, por impedir a continuação daquela edu­cação medieval, foi acusado pelos saudosistas, tanto no seio das famílias, como na escola, de ser um instrumento prejudicial no processo educacional, pois proibia os castigos físicos e psicológi­cos, e órfãos destas armas – jogaram a toalha.

O Estatuto foi criado para proteger todas as crianças e ado­lescentes, no entanto a maior abrangência desta lei foi para os pobres, já que os ricos são protegidos naturalmente. Talvez por ter atendido o direito dos mais pobres foi tão odiado. Neste ín­terim, abandonados pelas famílias, e rejeitados pela velha escola restou para essa meninada abrir o seu próprio caminho. A velha escola conteudista, que ainda permeia entre nós, achava e acha que os educandos chegam vazios de conhecimentos, e a função da escola é apenas preenchê-los, não admitindo a participação do educando no seu próprio aprendizado.

A velha escola acusa os educandos pela falta de interesse em sala de aula. Acontece que há muito tempo a sala de aula deixou de ser interessante para a meninada, que não consegue ver utili­dade nos conteúdos para as suas vidas. E para complicar o século 21 trouxe a tecnologia das redes sociais – aí a porca torceu o rabo. O interesse da meninada pelas novas tecnologias criou um ambiente de conflito no chão da escola, não por culpa deles, pois são apaixonados pelas novidades, só que a escola não consegue acompanhar as novidades na mesma velocidade.

A formação da cidadania é um processo de construção coleti­va que precisa ser amalgamado. A família participando da vida do educando, a escola recebendo os educandos e seus familiares numa construção democrática, e valorizar as ruas, pois tudo acontece nas ruas: reivindicações, protestos, greves, passeatas, festas e desfiles. Portanto a cidadania é este amalgama. No entan­to, o saudosismo tomou conta do cotidiano trazendo de volta as práticas que exaltam o ódio e a violência, tendo como pano de fundo o fundamentalismo religioso, e neste contexto as ideolo­gias que colocam o ser humano no centro das decisões passaram a ser inimigas de morte. A luz precisa brilhar!

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