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A linguagem secreta das flores

No século XIX, os “dicionários das flores” eram um tipo de pu­blicação bastante popular, fartamente divulgado e barato, atingindo grande circulação social. Nele cada flor correspondia a uma mensagem de amor, funcionando como uma espécie de código amoroso, usado para enviar mensagens cifradas entre os jovens amantes com o intuito de driblar os olhares vigilantes dos pais e maridos. Uma pesquisa sobre este material, ocorrida durante três anos na Universidade Federal de São Paulo, foi motivada, inicialmente, pelo interesse de se descobrir o que as pessoas liam no fim do século XIX e começo do XX.

Com a pesquisa, descobriu-se que, além dos cânones da literatura, como Machado de Assis, Raul Pompéia e Aluísio Azevedo, havia tam­bém o interesse por gêneros literários que não existem mais hoje, como as narrativas de sensação, romances só para homens, proibidos para mulheres por trazerem histórias de teor pornográfico. De acordo com o divulgado pela Agência Fapesp, “A popularização desse tipo de pu­blicação no século XIX no Rio de Janeiro esteve intimamente ligada ao desenvolvimento urbano da corte. Foi nesse período que as moças, em particular, as nascidas na burguesia urbana, começaram a frequentar os espaços públicos. As primeiras publicações do tipo tiveram origem na França no próprio século XIX. A versão mais antiga conhecida, e também a mais famosa, foi escrita por Madame Charlotte de Latour, em 1819. Várias edições foram traduzidas e adaptadas a partir dessa.

O formato das edições variava bastante, indo desde as mais sim­ples, de capa brochada, contendo apenas os verbetes e que somavam 50 a 70 páginas, até as ricamente ilustradas, de luxo, que traziam — além dos significados – jogos galantes, outras linguagens secretas baseadas nos usos de leques, ben­galas, pedras e cores, além de poemas que versavam sobre as flores. Na tentativa de atrair o público leitor, os editores estampavam logo na capa a mensagem: “aos fiéis súditos de cupido”.

Segundo a Agência Fapesp, “No século XIX, ocasiões especiais, como bailes e passeios públicos, passaram a ser muito bem aproveitadas para galanteios. E, nesse cenário, a linguagem das flores poderia ser usa­da pelos namorados, que também aproveitavam essas oportunidades para a troca discreta de bilhetes e cartas de amor. A partir do início do século XX, entre as décadas de 1910 e 1920, quando as moças passam a desfrutar de uma maior liberdade de convívio com os rapazes, a lingua­gem das flores perdeu importância como ferramenta de galanteio e os dicionários das flores começaram a cair em desuso.

Durante a pesquisa, mais de 20 edições publicadas no Rio de Janeiro e em Portugal, além de outras publicações também relacionadas à linguagem das flores, como, por exemplo, os manuais de jardinagem, foram avaliadas. Entre as portuguesas, deu preferência às que também circulavam no Brasil. Entre as obras estudadas está o Dicionário da Lin­guagem das Flores, publicado em Lisboa em 1869. No Rio de Janeiro, esse tipo de livro era editado por diversas livrarias, entre elas a Garnier e a Laemmert. Os diversos usos e significados das flores nos contextos filosófico, religioso, histórico e na literatura acabaram, então, por des­pertar o interesse de pesquisadores pela análise do que se convencionou chamar de “linguagem secreta das flores”, bem como, pelas formas de namoro e o galanteio no século XIX.

Atualmente, filmes em série, revivendo duendes, dragões, príncipes e princesas, têm se valido dos mesmos para incrementar seus enredos. O que mostra que a pesquisa vai além dos muros da universidade, contribuindo para a formação cultural e artística de um povo.

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