No curso desta crise criada pelo apavorante vírus covid-19, descobre-se, em sua amplitude global, o malefício da conduta presidencial do Brasil, que oferece a alternativa da conversão da idiotia em estupidez.
O retrospecto pós-eleitoral deixou claro que duas visões se contraporiam; de um lado, ficaria o que a Constituição de 88 consagrou, na mais democrática das constituintes, como estado do bem-estar social, e de outro o chamando estado-mínimo, que não é estado nenhum, sem nenhum precedente na história dos povos e dos países. Nesse diapasão, o Estado entrou em ritmo de desmonte, com o servidor público evidentemente escolhido como bode expiatório da pregação destruidora.
Se o Estado entrou em liquidação, a privatização ganhou relevo, e aí as vendas de empresas públicas ou paraestatais passaram a engordar, provisoriamente, as receitas públicas, substituindo os impostos e tributos emagrecidos pela economia praticamente paralisada, com desemprego grandioso e informalidade ampliada.
Esse espírito odioso, que a sacralidade do voto trouxe, surpreendente e paradoxalmente, do esgoto político, começou a destruir, no que foi possível por decreto. Colegiados vinculados à definição de políticas de governo, retirar apoio dos centros de pesquisa, esvaziar órgãos fiscalizadores não só do meio ambiente, como babar sobre universidades, com aquele jeito de analfabeto funcional arrogante e ousado.
Pois então, a resposta do saber e da dignidade universitária começou antes da pandemia, pois a Comissão Parlamentar de Inquérito, instalada pela volúpia da insensatez contra as universidades públicas paulistas (USP, Unicamp, Unesp), terminou melancolicamente com a ida de seus reitores, apresentando o que a ignorância coletiva ignorava. Os deputados ficaram em silencio, sem a manifestação pública da Assembleia Legislativa sobre a honra merecida de nossas universidades.
Logo depois, veio a ameaça apavorante do vírus. Essa ameaça acabou de vez com a pretensão daqueles que queriam assassinar um dos fundamentos da democracia, que é o da solidariedade humana e social, substituindo-a pela individualidade empreendedora vitoriosa, se ajudada divinamente, e derrotada, se a pessoa mantiver consórcio com o diabo.
E na ciência, a separação do genoma do vírus brasileiro ou o sequenciamento genético do coronavírus, alcançada por servidores públicos de entidades públicas, universidade e órgãos públicos, mostrou ao mundo não só os valores das mulheres brasileiras envolvidas nessa conquista, mas também desmoralizou a ignorância furiosa com a revelação da experiência acumulada, depois de anteriores surtos virais, ao que se somaram investimentos públicos de grandes vultos.
A propósito, o professor Naércio Menezes Filho, em artigo no jornal Valor, de 20 de março, escreve sob o título “Como evitar uma tragédia social”, dizendo o uso “da capilaridade do sistema de proteção social, construído em 30 anos, ajudará atenuar os efeitos da crise”, pensando nos pobres, nos desempregados, nos informais.
Seguramente, a experiência acumulada na pesquisa científica do Brasil, com grandes recursos públicos, isolou o vírus do ódio e do desamor público.