“… existe prova de maior estupidez do que a adesão irracional às lideranças fanáticas” (Afonso Arinos)
Volta-se a Afonso Arinos (in Evolução da Crise Brasileira, 2ª ed. TopbooKs, 2005) que “repele invencivelmente toda forma de fanatismo, seja de ideias seja de pessoas. Para mim nada há de tão repugnante quanto o fanatismo e nada de tão insuportável quanto o fanático“ (p.42).
Tal afirmação pode ser assumida para o exame crítico do Brasil de hoje, cinquenta anos depois da antevéspera da ditadura, que representou, como sempre, o avanço do retrocesso. Hoje, tem-se um governo sem plano, como se teve um candidato sem programa, colado aos slogans e à repetição repetida da palavra mito, nova máscara ou sinônimo da mediocridade, que gosta de arma, que quer armar quem a ele interessa armar, beneficiário dos borbotões de noticias falsas.
É de nosso mestre liberal essa assertiva, que se lida sem indicação da fonte, poderia ser creditada a alguém da esquerda, mas é dele (p.73) – “… o fascismo foi sempre isso, e principalmente isto: o engodo das massas pelas classes dominantes, com o fato de evitar a marcha da democracia, como governo livre e destinado ao bem das maiorias. O Brasil é, mesmo, um dos exemplos mais ilustrativos desse fato”.
E na página 56, ele focaliza a primeira condição para se resolverem os problemas nacionais, dizendo assim : “…uma preliminar se impõe, e essa preliminar é, em conjunto, o esforço desinteressado de compreensão. Este esforço é um dever das elites. Sua ausência, no Brasil de hoje, excede os limites da indiferença; resvala pela traição”.
A lucidez e a honestidade intelectual de Arinos não disfarçou a verdade histórica relativa à inquietação e a conspiração das elites (p.32) “…porque não se dispõem à diminuição dos privilégios, diminuição que é o resultado fatal do alargamento das oportunidades”.
Não falta nesse repositório histórico de experiência e sabedoria de Arinos, o registro da divisão da sociedade, de instituições e dos partidos políticos, da Igreja, das Forças Armadas. Tal como atualmente, sendo que a ilustração mais candente e próxima está dada pela eleição para Presidente do Senado e o da Câmara Federal, quando as benesses ou prometidas pelo Poder Executivo trincaram as siglas partidárias.
Arinos não reconhecia seu próprio partido o da União Democrática Nacional-UDN, em que uma parte era legalista e a outra entregue ao conservadorismo convocatório da intervenção militar, com a articulação estrangeira interessada e presente.
Se naquela época existia a chamada Guerra Fria, entre o bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos e a União Soviética, que estimulava a divisão interna dos países, atualmente o machado da divisão acontece com o avanço do comercio internacional dos chineses, que arrepia e coloca de sobreaviso permanente os Estados Unidos, que não só procuram reforçar os laços de domínio com os países sob sua órbita, como com o Brasil, reavivando o mesmo fantasma de 1964, quando se construiu a ameaça próxima de uma revolução socialista liderada, suposta e contraditoriamente, por um estanciero muito bem sucedido e rico desde jovem, que na verdade defendia a bandeira das chamadas reformas de base, até hoje necessárias, mas esquecidas, para construir uma política de desenvolvimento nacional autônomo.
Na época a política externa do Brasil sempre cumpriu o princípio da auto-determinação dos povos, e portanto contra qualquer intervenção nos negócios de um país. Recentemente quase guerreamos com a Venezuela, num ato de vassalagem explicita aos interesses geopolíticos, que não são do Brasil. Não houve guerra, mas vassalagem continua.
Um exemplo de espírito fanatizado é a vulgarização com qualificativo do vírus do Covid-19, assumida por parcela simplória da população, em face do chamado vírus chinês, vacina chinesa (“eu não tomo”), com o gravame desses políticos que saíram do arroto eleitoral de 2016, que hostilizaram a China, nosso maior mercado consumidor (agronegócio), sendo que muito antes do chegada desse vírus, esse país e a Índia já forneciam os insumos para tantos remédios fabricados aqui.
Se no período 1963/1964 só existia a imprensa tradicional, ligada aos interesses das elites, que garantiam a propaganda de sobrevivência de cada jornal ou emissora, salvo o jornal Ultima Hora, hoje, além deles tem a comunicação de massa das redes sociais, cujo controle não tem sido fácil de fazer. E as noticias falsas correm soltas, confundindo a opinião publica. Há existiram entidades privadas (IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática e IPES-Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) financiadas por dinheiro nacional e estrangeiro, que se destinavam a desestabilizar o governo nacional.
É conhecido o axioma “Nada é mais perigoso do que o homem de idéias, mas quando ele tem uma só”. Esse é o fanático, geralmente ressentindo ou preconceituoso, ou mesmo desesperado por condição econômica perversa, ou defensor patológico de interesses individuais, que se torna incapaz de tolerar a tolerância, incapaz de odiar o ódio, e que não tem consciência do mal que faz, desconhecendo a convivência democrática, a riqueza do debate voltado ao conhecimento do Brasil real e do Brasil oficial, para conhecê-los como unidade de afeto coletivo e de defesa de valores que possam enaltercer a soberania do país e um sentimento de nação redivivo.