Em dezembro, no Maranhão, Gabriel da Silva Nascimento, de 23 anos, foi espancado e sufocado por um casal branco. Ele foi acusado de tentar roubar o próprio carro estacionado na porta do prédio onde residia. Os agressores, um empresário e uma dentista não imaginavam que um negro poderia ser vizinho de condomínio e tão pouco possuir um automóvel. Eles alegam que o confundiram com um ladrão.
Melhor sorte não teve Durval Teófilo Filho, 38 anos, que nesta semana ao retornar do trabalho, tentou entrar no condomínio onde morava em São Gonçalo, no Rio de Janeiro e foi executado por um vizinho, sargento da marinha que disparou três tiros e alegou tê-lo confundido com um ladrão.
O congolês Moïse Mugenyi Kabagambe veio morar no Brasil, ainda criança. A família fugia da violência e buscava melhor oportunidade vida em nosso país, porém ele encontrou a morte ao ser cruelmente espancado por três homens. O jovem de 24 anos, apenas foi cobrar salários atrasados e recebeu uma série de agressões. Teve mãos e pernas amarradas e apanhou com um pedaço de madeira e um taco de beisebol. Os agressores tentaram reanimá-lo, mas já era tarde. Um fato curioso foi a permanência de uma viatura policial para proteger o estabelecimento e as investigações só ganharem celeridade após a repercussão do caso na mídia.
Os dois primeiros casos refletem, além do preconceito e do racismo, a perpetuação da exclusão, pois na cabeça de alguns moradores de condomínios, aqueles espaços formam sociedades exclusivas onde os muros e guaritas afastam os diferentes. A presença de um negro, de um pobre ou de qualquer indivíduo que fuja ao padrão pré-estabelecido é encarada como uma ameaça.
Eles não conseguem admitir que um homem negro pudesse ter um bom carro ou residir em local tão especial. Além do preconceito, o último caso, escancara xenofobia e desnuda a fragilidade das relações trabalhistas onde um trabalhador não pode sequer cobrar seus direitos e certos empregadores acreditam que, se ele for negro e estrangeiro deve se sujeitar à exploração semelhante àquela ocorrida na época colonial.
Outro fato recente foi a abordagem contra o tenor Jean William e um amigo farmacêutico, ocorrida na balsa durante a travessia Santos-Guarujá. Com armas em punho policiais indagaram se ele era proprietário do carro de luxo que conduzia, se eles tinham passagens criminais, se estariam levando drogas e quais suas profissões.
Formado pela USP, o jovem cantor lírico, nascido em Barrinha, trabalha com o maestro João Carlos Martins e em sua trajetória internacional já se apresentou para figuras ilustres como o príncipe Albert II, de Mônaco, e o papa Francisco, e relatou nas redes sociais o cenário de constrangimento vivenciado. Ele acrescentou que após conferirem os documentos “saíram com a cara de frustação e me permitiram seguir a viagem” e ao final deixou a inquietante indagação: “O racismo e seus tentáculos. Até quanto?”.
O país da chamada democracia racial é racista, não é tão acolhedor com imigrantes e suas forças de segurança atuam com preconceito e discriminação. Amparados pela impunidade, os tentáculos do racismo, citados pelo cantor lírico parecem cada vez maiores, violentos e letais, simplesmente aguardando para atacar a próxima vítima que será esquecida se não for alguém famoso ou se não existir uma câmera registrando tudo.