Advogado especializado em Direito Público, Marco Damião, analisa a Lei de Licitações e como ela tem sido interpretada por muitos governantes na hora de abrir um processo licitatório. Segundo ele, atualmente, a maioria das licitações é realizada na modalidade pregão – presencial ou eletrônico -, cujo critério exclusivo é o menor preço. Mas, dependendo da forma como o processo licitatório é conduzido, a economia obtida – diferença entre o valor orçado e o valor do contrato – pode resultar na contratação de serviços e de produtos de qualidade inferior ao praticado pelo mercado.
Tribuna Ribeirão – A Prefeitura de Ribeirão Preto rescindiu o contrato com duas construtoras que estavam fazendo quatro grandes obras na cidade. As empresas pediram realinhamento de preço do contrato em função, segundo elas, do aumento dos insumos causados pela pandemia. A pandemia tem esse efeito colateral e pode inviabilizar obras públicas?
Marco Damião – Vale esclarecer a coexistência de duas leis federais sobre licitações e contratos pelo prazo de dois anos: Lei n. 8666 de 1993 e a recente Lei n. 14.133 de abril de 2021. Contratos administrativos celebrados antes do dia 1º de abril de 2021 permanecerão atrelados à legislação de 1993. E nos feitos a partir de abril desse ano, a administração pública pode optar por uma das leis para realização de processos licitatórios, sendo vedada a combinação de dispositivos de uma e de outra legislação. Atualmente os contratos administrativos devem ser analisados no contexto da pandemia do coronavírus, dados os reflexos diretos do aumento de preço de materiais e produtos nas diversas áreas de atuação do Poder Público. As obras de construção dos viadutos, corredores de ônibus e túnel foram impactadas pelo aumento de preços dos insumos da construção civil.
A lei de licitações prevê a possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos na ocorrência de fatos excepcionais, imprevisíveis e interferência comprovada no valor da obra. A pandemia da covid-19 é caso típico de excepcionalidade, de imprevisão e de impacto na elevação dos preços de produtos de obras de engenharia. A paralisação das obras agravará financeiramente a situação dos comerciantes e empresários destas regiões já afetados pelas restrições decorrentes da pandemia do coronavírus.
Tribuna Ribeirão – Uma das crenças nos setores público e privado é que obra boa é obra que custa pouco. Regra geral, o poder público quando faz uma licitação com preço inferior ao estimado no edital de licitação vende essa ideia como sendo resultado de eficiência. Como o senhor avalia este discurso?
Marco Damião – A Lei 8666/1993 prioriza a contratação de empresa com a proposta de menor preço, sendo esse o principal critério de julgamento. Hoje em dia, a maioria das licitações é realizada na modalidade pregão (presencial ou eletrônico), cujo critério exclusivo é o menor preço. Dependendo da forma como o processo licitatório é conduzido, a economia obtida (diferença entre o valor orçado e o valor do contrato) pode resultar na contratação de serviços e de produtos de qualidade inferior ao praticado pelo mercado em geral.
A relação custo/benefício é a que melhor atende ao interesse público, pois compatibiliza a equação preço/qualidade nas compras e contratação de serviços públicos. A Nova Lei de Licitação (Lei n. 14.133/2021) dispõe de modernos instrumentos legais que visam garantir maior eficiência e menos formalidades nos contratos administrativos. A redução da burocracia e a melhora na consecução das ações públicas beneficiará a população mais carente, que depende diretamente dos serviços públicos.
A criação do Portal Nacional de Contratação Pública (PNCP) por meio de portal eletrônico destinado a centralizar as licitações da União, Estados e Municípios, será ferramenta essencial na verificação de valores de contratos, aditamentos, repactuações financeiras, atestado de capacidade técnica, relação de idoneidade e de empresas impedidas de contratar com Poder Público.
Tribuna Ribeirão – Outro tema muito difundido atualmente é a necessidade transparência dos gastos do poder público. Em Ribeirão Preto uma lei aprovada pela Câmara que obrigaria a Prefeitura a divulgar as obras paralisadas e os motivos desta paralisação foi vetada pelo Executivo sob o argumento de inconstitucionalidade. Leis deste tipo propostas pelo Legislativo são de fato inconstitucionais?
Marco Damião – A paralisação das obras e serviços públicos com versões conflitantes sobre os motivos e valores envolvidos provoca dúvidas e incertezas na sociedade. Daí, a importância de lei municipal regulamentar a publicação de informações no site oficial da Prefeitura, inclusive com divulgação clara e objetiva dos motivos, prazos de suspensão, valores e datas previstas para conclusão e entrega das obras.
O princípio constitucional da publicidade impõe a divulgação oficial dos atos da Administração Pública, com livre acesso ao cidadão. As informações devem ser claras, objetivas e de fácil compreensão do cidadão leigo. A sociedade deve acompanhar os gastos com dinheiro público e observar se as prioridades do gestor público são compatíveis com as necessidades e reivindicações da população.
Tribuna Ribeirão – Mas, a lei aprovada em Ribeirão Preto é inconstitucional?
Marco Damião – A Prefeitura de Ribeirão Preto recentemente ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo arguindo a ilegalidade da lei de autoria parlamentar sob a alegação de vício de iniciativa. Em caso semelhante, o Tribunal julgou constitucional lei do Município de Mauá, na grande São Paulo, também de iniciativa da Câmara Municipal, que obriga a Prefeitura a divulgar informações gerais sobre as obras públicas paralisadas na cidade.
Independentemente de origem da propositura, é recomendável a edição de lei municipal tornando obrigatória a divulgação de informações sobre a paralisação de obras e serviços públicos. A população tem o direito de saber as justificativas das paralisações, os prazos e as condições de retomada das obras e seus reflexos financeiros.
Na hipótese do Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade da lei de autoria do vereador Alessandro Maraca (MDB), o Executivo Municipal poderá apresentar projeto de lei de conteúdo semelhante ao do parlamentar, para votação da Câmara Municipal, restando afastada a tese de vício de iniciativa. É recomendável que a Administração Municipal dê publicidade dos atos e contratos administrativos que afetam diretamente o dia a dia do munícipe e interferem de forma direta na qualidade de vida da população.
Tribuna Ribeirão – Várias leis aprovadas pela Câmara de Vereadores de Ribeirão Preto têm sido vetadas pelo Executivo com o argumento de vicio de iniciativa ou inconstitucionalidade. Em sua avaliação as Câmaras municipais têm legislado de digamos de forma equivocada neste aspecto?
Marco Damião – De um modo geral, não considero que as Câmaras têm legislado de forma equivocada na apresentação de projetos de lei. Os vereadores atuam no atendimento das crescentes demandas sociais e, por vezes, extrapolam os limites da competência legal para legislar. O direito é dinâmico e as leis decorrem do processo de maturação das reivindicações sociais em relação à iniciativa privada e execução das políticas públicas.
As decisões judiciais também refletem os novos enfoques e interpretações em assuntos relacionados à transparência e publicidade de atos públicos, lei de acesso à informação, participação política das mulheres e dos negros, defesa dos direitos dos consumidores, menores e idosos, dentre outros.
As leis municipais submetidas ao controle de constitucionalidade perante o Poder Judiciário podem ser complexas e causar divergências de interpretação jurídica, especialmente sobre a ocorrência de vício de iniciativa na apresentação de projeto de lei por vereador.
Tribuna Ribeirão – Como encontrar o ponto de equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo pra evitar este tipo de problema?
Marco Damião – A Constituição Federal assegura a independência e harmonia dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que devem atuar nos estritos limites de suas competências e prerrogativas legais. A ingerência de um poder sobre outro, por vezes delimitado por uma linha muito tênue, pode ter motivação política ou de natureza interpretativa da Constituição Federal e da legislação ordinária.
O ponto de equilíbrio já está consolidado no ordenamento jurídico e deve ser observado com imparcialidade e desprovido de conotações políticas. À Comissão Permanente de Justiça da Câmara Municipal (CCJ) compete analisar a legalidade formal e material dos projetos de lei, opinando pela constitucionalidade ou não das proposições de autoria parlamentar.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (Direito Público) é importante ferramenta de trabalho dos vereadores membros da Comissão de Justiça e das assessorias jurídicas na análise de constitucionalidade dos projetos de lei.
Raio X das obras rescindidas em Ribeirão
Túnel da Avenida Presidente Vargas
Valor estimado: R$ 25.706.975,99 Valor contratado: R$ 19.882.700,02 Economia na licitação – R$ 5.824.275,97 Início – Agosto de 2020
Viaduto Avenida Thomaz Alberto Whately
Valor estimado: R$ 17.303.723,67 Valor contratado: R$ 13.284.955,62 Economia na licitação – R$ 4.018.768,05 Início – abril de 2020
Viaduto Avenida Mogiana
Valor estimado: R$ 24.848.629,88 Valor contratado: R$ 19.870.000,00 Economia na licitação – R$ 4.978.629,88 Início – novembro de 2019
Corredores de ônibus Avenida Pedro II, Avenida Saudade/Rua São Paulo
Valor estimado: R$ 45.836.650,35 Valor contratado: R$ 39.740.679,60 Economia na licitação – R$ 6.095.970,75 Início – janeiro de 2020