Tribuna Ribeirão
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A Justiça verdadeira 

Sérgio Roxo da Fonseca *
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Taís Costa Roxo da Fonseca **
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O conhecimento científico deve muito ao trabalho realizado por pensadores que viveram em Viena nos primeiros trinta anos do Século XX. Um grupo reunia-se frequentemente para discutir temas básicos da filosofia e da lógica, entre outros. Não só eles, pois alguns procuraram solitariamente as chaves de suas interrogações.

Reuniam-se periodicamente para examinar as questões mais próximas e outras mais distantes de sua área de trabalho. Eram coordenados pelo professor alemão Moritz Schilick que foi assassinado por um dos seus alunos quando se dirigia para a Universidade onde lecionava. O aluno era nazista. Do fato redundou no afastamento dos pensadores que muitos dos quais se afastaram da Áustria.

Um deles era Hans Kelsen, judeu nascido em Praga em 1881. Com a eclosão do regime nazista, afastou-se da Europa, passando a trabalhar nos Estados Unidos. Escreveu vários livros, sustentando sempre a teoria pura do direito, afirmando, em minhas gerais, que os preceitos jurídicos deveriam ser despidos da influência de qualquer outra visão da humanidade/ O seu livro mais conhecido recebeu o nome de “Teoria Pura do Direito”.

O mestre sustentou que a estrutura jurídica sempre foi e deverá sempre ser suportada por uma “norma hipotética fundamental” que mereceria permanecer no ápice do ordenamento jurídico, outorgando poderes a todas as normas inferiores (inclusive as normais constitucionais). Neste sentido, o formato hipotético de todo o ordenamento jurídico teria o desenho de uma pirâmide, tendo em seu ângulo superior a “norma hipotética fundamental”. Mesmos os juristas mais refratários às ideias de Hans Kelsen concordam em afirmar que a sua visão foi e ainda é a mais influente do Direito Brasileiro.

O autor escreveu vários livros, entre os quais “O QUE É A JUSTIÇA”, publicado no Brasil pela editora Martins Fontes, SP, em 1997.

As primeiras linhas da obra, Hans Kelsen reproduz o julgamento de Jesus Cristo por Poncio Pilatos que, investido nos poderes jurídicos, indaga ao seu réu se Ele realmente é o rei dos judeus e qual o sentido de sua conduta.

Jesus Cristo (Joao, 17-18) sustenta a veracidade da indagação: “Tu dizes que sou rei e vim ao mundo para dar testemunho da verdade”. Pilatos, aparentemente perplexo confere importância àquelas palavras, perguntando:

“O que é a verdade”

Em seguida, Pilatos profere a sentença, afirmando para os presentes que não encontrava nenhuma razão para condenar Jesus Cisto, mas imediatamente absolve o criminoso Barrabás e condena o inocente a morrer na cruz.

Os poderes elásticos de Poncio Pilatos tinha como norma hipotética fundamental o Direito Romano que já não autorizava a condenação o inocente com a consequente absolvição do culpado. Isto é verdade! Daí se extrai a chave do extraordinário livro de Hans Kelsen.

A verdade está acima do ordenamento jurídico? Pilatos sentenciou condenando a morte contra a hipótese máxima do ordenamento jurídico? Como juiz membro da extraordinária magistratura romana, Pilatos condenou o inocente porque fugia do seu conhecimento o conteúdo da verdade sustentada pelo seu réu, Jesus Cristo?

Se a resposta surpreendentemente seja verdadeira, a autoridade de um país tem o poder de decretar a supressão da vida de homens e mulheres e crianças postos sob seu poder? O que é a Justiça verdadeira séculos depois do judeu Jesus Cristo ter vindo ao mundo para “dar testemunho da verdade”, tanto que “todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”, Ele afirmava. As frases inaugurais do livro de Hans Kelsen (O QUE É A JUSTIÇA) buscam procurar até hoje uma resposta válida para completar o conhecimento tanto do romano Poncio Pilatos, como de todos nós!  A verdade pode ser medida? Existe verdade inteira?  Existe meia verdade? Ou o que é verdadeiro é significativamente verdadeiro e único?

* Advogado, professor livre docente aposentado da Unesp, doutor, procurador de Justiça aposentado, e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras

** Advogada 

 

 

 

 

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