Nicola Tornatore
Se não tivesse sido demolido na década de 1940, no maior crime já cometido contra o patrimônio histórico de Ribeirão Preto, o Theatro Carlos Gomes, marco da época áurea do café, estaria comemorando 120 anos de inauguração. Afinal, foi em 16 de novembro de 1897, ainda no século XIX, que a cidade parou para festejar a abertura do então segundo maior teatro do Brasil. Na noite de gala foi apresentada a ópera “O Guarany”, de Carlos Gomes, pela Companhia Lyrica Italiana.
Assinado pelo renomado arquiteto Ramos de Azevedo, o projeto tinha estilo neoclássico, de influência italiana. A construção, medindo 23,9 metros de largura e 44,9 metros de comprimento, de nacional só tinha os tijolos. A construção do teatro foi possível mediante um consórcio entre ricos fazendeiros do café, encabeçados por Francisco Schmidt.
Na sessão da Câmara do dia 26 de dezembro de 1895, o então vereador coronel Schmidt solicitara o terreno em frente à Igreja Matriz para a construção do teatro. O terreno foi cedido em comodato. A fachada principal do prédio ficava de frente para a atual rua Visconde de Inhaúma e para a antiga Matriz de São Sebastião (localizada no local ocupado hoje pela fonte luminosa da praça XV de Novembro).
Foi construído com mármore de Carrara, cristais de Murano, telhas francesas, vitrais italianos e possuía cerca de 600 cadeiras de veludo e um salão de bailes. Nesse teatro se apresentaram inúmeras companhias de ópera e teatro, além de funcionar como cinema.
Na virada do século, o teatro recebeu companhias de ópera do Brasil e do exterior. Com a inauguração do vizinho e muito maior Theatro Pedro II, em 1930, o Carlos Gomes perdeu boa parte de sua importância. Em vez de sediar óperas e espetáculos teatrais, passou a ser ocupado por escritórios de advogados e consultórios de dentistas.
No final de 1943, a prefeitura de Ribeirão Preto desapropriou o teatro, que então pertencia aos herdeiros do coronel Schmidt – apesar de construído num terreno público, era uma propriedade particular. No espólio do “rei do café” Francisco Schmidt, que havia adquirido a parte dos sócios, o Teatro Carlos Gomes foi avaliado em 100 contos de réis. Na desapropriação, os herdeiros receberam na moeda da época Cr$ 100 mil (ou Cr$ 8.500,00 para cada um dos oito herdeiros).
As tentativas do poder público de mudar sua destinação, já que o pequeno porte, apesar da beleza arquitetônica e do esmero em sua construção, não atraia mais espetáculos, sempre deram errado. A Câmara Municipal chegou a debater a ideia de desapropriá-lo e cedê-lo para que o Estado instalasse ali o Fórum de Justiça – o que também não deu certo.
A demolição começou no final de 1944 e terminou em meados de 1945. A remoção das ruínas se arrastou pelo segundo semestre daquele ano. Em janeiro de 1946, o terreno estava livre e pronto para ser doado à Caixa Econômica Estadual, para construção de sua sede. Mais uma vez, a proposta não saiu do papel. Tempos depois surgiu a praça Carlos Gomes.
Encontra-se preservada no Museu Histórico “Plínio Travassos dos Santos” uma placa de mármore removida antes da demolição do Theatro Carlos Gomes. Nela, há a inscrição, em baixo relevo: “Clara Della Guardia. V setembro MCMXII”.
Assim que circulou a notícia da demolição, o teatro foi invadido e saqueado. As calhas, que eram de bronze, desapareceram primeiro. O lustre do salão de entrada, de cristal da Boêmia, acabou decorando a mansão de uma importante família da época. Tijolos que sobraram das ruínas foram usados na construção dos muros do Cemitério da Saudade.
Hoje uma das poucas lembranças do mítico teatro em estilo neoclássico é a parte da escadaria de mármore de Carrara que servia de acesso, na parte interna, ao andar superior. Ela foi desmontada e remontada (pela serraria de Amleto Beloni) na sede da mais antiga associação de classe de Ribeirão Preto, a Sociedade União dos Viajantes (SUV), na rua Álvares Cabral nº 567.
Aqueles degraus de mármore são o que restou, 120 anos depois da inauguração, do mítico Theatro Carlos Gomes.