Lembro-me que era um sábado, estava no meu apê pensando em ligar pro querido amigo Jacaré, o rei da boemia, pra ver se ele estava a fim de dar um banho na garganta. Afinal, o dia estava ideal pra isso. De repente, meu celular toca. Era ele e logo dizendo: “Buenão, meu parceiro, vamos jogar conversa fora e cerveja dentro lá na Costela e Cia., dos meus amigos Gilberto e Gilmar? Ali na Rua Amazonas?”
Fechei com ele no ato. Encontrar com o Jacaré é o maior barato, você nunca sabe se ele tá indo pra ou tá vindo de algum evento, sempre regado a muita cerveja, mas muita mesmo. Nos aboletamos na mesa e, de cara, Gilmar trouxe a primeira que mais parecia um véu de noiva. Disse que era do fundo da mina. Gilberto chegou com enorme faca e um apetitoso espeto, fatiou um tira-gosto de primeira, a coisa tava melhor do que eu esperava.
Jacaré, como sempre um bom papo, comentou que eu deveria escrever mais sobre a boemia nas minhas crônicas. Disse a ele: “Parceiro, aquela safra de grandes boêmios, que frequentava o Bar do Carlão, que fazia um rango sem igual, a maioria, se ainda não se mandou pro subsolo, jogou a toalha, não os vejo mais nas noites. Aí fica difícil, mas tô achando que você herdou o bastão de boêmio de seu tio Caburé (rsrs).”
“Jacaré, mas me diga aí, você sabe o que quer dizer ‘Epitáfio’?” Ele, enchendo o copo, disse: “Olha, Buenão, sei que é alguma coisa relacionada a cemitério, mas não sei, não”. E eu mandei essa: “Veja você, parceiro, eu conhecia a palavra, mas nunca tinha me atentado ao seu significado, descobri com a música dos Titãs”.
“Epitáfio, Jacaré, é o que pedimos pra alguém gravar na lápide do nosso túmulo quando morremos. Olha parceiro, tá rolando no Faceboock a foto de um epitáfio, tudo indica ser o pedido de um pai pra sua filha, veja só: ‘Aqui jaz o último boêmio, seresteiro, pescador e comercialino’.” É, amigo, o cara era torcedor do Leão. Fiquei pensando: conheci todos os boêmios da cidade, mas este não.
Jacaré, no ato, falou: “Peraí, Buenão, esse epitáfio tá errado. Boêmio não gosta de pescar, boêmio gosta é de bar, Buenão”. Então rimos à vontade. Pensava que os Titãs haviam composto a música “Epitáfio” pra algum amigo, eu adoro e canto essa canção, mas não, ela nasceu a partir de um “epitáfio” mesmo, daí o nome.
A banda estava sendo entrevistada pelo Jô Onze e Meia, que perguntou como nasceu essa música. Disseram que foram ao enterro de um amigo, a presença deles gerou a maior muvuca e tiveram que sair correndo. Combinaram de voltar noutro dia.
E voltaram, o cemitério estava vazio e eles passaram a observar as lápides e seus epitáfios. Ao passarem por um túmulo, foram despertados pelos versos escritos numa lápide, anotaram, ajeitaram as rimas, completaram a letra e tudo ficou lindo.
“Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o Sol nascer…Devia ter arriscado mais, e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer, queria ter aceitado as pessoas como elas são, cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração…”
A letra segue como um lamento de alguém que trabalhou muito e pouco pode ver o Sol nascer. Quem diria que o que estava escrito num túmulo pudesse virar tão linda música.
Gilberto e Gilmar estavam fazendo limpeza e queriam fechar a Costela e Cia., e nós ali numa saideira que não tinha fim. Jacaré chamou dois Ubers e pediu outra saideira. Eles chegaram muito rápido e ele, com seu jeitão que os amigos conhecem, falou: “Pode cobrar dobrado porque não vou desperdiçar a última”. Esse Jacaré….
Sexta conto mais.