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A história da dor, de Joanna Bourke

A História da dor – Da Oração aos Analgésicos (The Story of Pain – From Prayer to Painkillers), de Joanna Bourke, professora da Universidade de Londres, relata como o ser humano suporta a dor desde a Antiguidade, seja tratando o sofrimento com rezas, seja acreditando que crianças eram in­sensíveis até, nos anos recentes, se tornar vítima de dores crônicas. De acordo com a autora, durante a maior parte da história, dor não era sintoma de doenças, tampouco reação corporal ao mau fun­cionamento de um órgão, mas, sim, tida como punição divina ou maneira de purificação da alma, momentos, estes, em que suportá-la, impassivelmente, era atitude valorizada. Na década de 1970, o desenvolvimento de analgésicos e anestésicos eficazes, favorecendo cirurgias, amputações e extra­ções de tumores, tornaram possível o alívio para os pacientes. A angústia, que fazia o homem ser visto como ser inferior e animalesco, perdia terreno, tornando-se desnecessária. “Há uma dimensão social, cultural e histórica da dor, capaz de interferir profundamente na vida das pessoas, e às vezes os remédios não bastam para dar conta disso”.

Considerando o sofrimento físico mais que uma resposta cerebral e sensorial a certo tipo de estí­mulo, Bourke afirma que os analgésicos não viciam quando receitados a quem realmente precisa deles, sendo a dor um mal a ser combatido. “Temos métodos objetivos de detecção de dor, como os mapas cerebrais, que excluem as narrativas subjetivas. Esse fenômeno complexo fica, assim, reduzido a apenas uma porção da experiência. Precisamos mudar essa visão, pedir a opinião dos pacientes, se quisermos ajudá-los. E isso é importante porque a dor destrói vidas e extingue qualquer fiapo de felicidade. Cho­ramos, nos sentimos presos no corpo e, ao mesmo tempo, estranhos a ele. Conhecer a dor de outras pessoas é a única maneira de formar uma comunidade de simpatia e respeito”.

Sobre a possibilidade de as pessoas sentirem dores de formas diferentes, a autora esclarece que as experiências dolorosas não surgem apenas de processos fisiológicos e cerebrais, mas, também, de nego­ciações com a sociedade. “Desde o nascimento, as crianças são iniciadas no que chamamos ‘culturas da dor’. À medida que crescem, aprendem que algumas lágrimas, e não outras, merecem atenção: cortes são aliviados, arranhões desprezados. Ou seja, a cultura tem um papel na decisão do que machuca e de qual é a resposta adequada ao ferimento”.

Já a extensão da dor pode se manifestar na forma de angústia, ou vir associada ao sentimento de orgulho, como a sentida por quem tem infarto ou por mulheres prestes a dar a luz, respectivamen­te. Por certo, segundo Bourke, há pessoas que exageram nos analgésicos, mas quem realmente está sofrendo dor, e usa medicamentos, não se torna dependente, tomando, muitas vezes, doses menores que as prescritas. “As dores crônicas aumentaram porque nossos corpos não foram feitos para viver tanto. Porém, é preciso lembrar que a dor jamais foi democrática. Historicamente ela está ligada a questões econômicas e sociais: minorias e aqueles que trabalham em duras condições são os mais suscetíveis à dor. Normalmente, essas pessoas recebem menos analgésicos, que são caros, em está­gios avançados de dor”.

Na obra, relatos de que, durante grande parte da história, mulheres, jovens e crianças eram vistos como insensíveis à dor, pontuam a existência de uma ‘hierarquia natural’ de sensações. “Na ponta menos sensível da escala estavam os animais, não-europeus, pessoas da classe trabalhadora e crianças. Na outra ponta, os homens europeus. Como aqueles no lado menos sensível não sofriam, podiam ser maltratados. Para mim, a maior surpresa foi descobrir que, por volta de 1870, as crianças eram vistas como completamente insensíveis à dor. Acreditava-se que seus nervos não estavam completamente ‘conectados’. Isso justificava que crianças até dez anos não recebessem alívio para suas dores. Até os anos 1970, mais da metade das crianças entre 4 e 8 anos que passaram por cirurgias como operações cardíacas ou amputações em hospitais americanos não receberam medicação para dor. Isso só mudou por volta dos anos 1980”.

Na obra, antes do século XX, não sendo a dor considerada necessariamente sintoma de doenças, ou de mau funcionamento de algum órgão, o corpo era regido pela teoria humoral, em que sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra deveriam estar em harmonia para que o ser alcançasse bom fun­cionamento do organismo. Então, estando em desequilíbrio esses componentes, a dor era por certo algo que surgiria. Ademais, também se acreditava ser a mesma influenciada pelo alinhamento dos planetas, dieta, tempo e relações interpessoais, entre outros. No século XVII, Descartes mostrou que a dor era a reação de filamentos a estímulos nocivos. No século XIX, foi proposta sua relação com os nervos. A partir da II Guerra Mundial, a ciência palmilhou o caminho dos analgésicos. “Quando a ciência percebeu que os novos medicamentos eram seguros, por volta dos anos 1950, começamos a olhar para a dor como desnecessária”.

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