Tornou-se comum, nos variados meios de comunicação, veicular-se a notícia de que um gene é responsável por “tais e tais traços”. Psicólogos e educadores, todavia, raramente se preocupam com quais implicações que tal notícia tem para seu trabalho. A questão é se estes mudariam o que eles estão fazendo caso, realmente, certas habilidades, incapacidades, traços de personalidade ou estados motivacionais fossem hereditários. Na realidade, educadores e psicólogos pouco se preocupam em conhecer e analisar as implicações para o que fazem em sala de aula da relação entre herdabilidade e maleabilidade de atributos, tais como, habilidades para aprender, pensar e motivação. Para entender as implicações educacionais desta relação importa compreender melhor o que significa o coeficiente de herdabilidade, às vezes, tomado como sinônimo de hereditariedade pela mídia popular.
Coeficiente de herdabilidade (h2) é um número que indica a proporção de um traço que é genético. Herdabilidade é a razão da variação genética à variação total de um dado atributo numa população. Variação de um traço na população é referida como variação fenotípica, enquanto variação genética numa população é referida como variação genotípica. Assim, herdabilidade é uma razão da variação genotípica à variação fenotípica. Herdabilidade tem um conceito complementar à ambiência. Ambiência é a razão da variação ambiental e variação fenotípica. Tanto herdabilidade, quanto ambiência se aplicam, exclusivamente, às populações, não a indivíduos.
Não há modo de estimar herdabilidade para um indivíduo, pois, o conceito é sem significado para indivíduos. Herdabilidade é, tipicamente, expressa numa escala de 0 a 1, com o valor de 0 indicando nenhuma herdabilidade e o valor de 1 indicando completa herdabilidade. Herdabilidade nos diz a proporção da variação das diferenças individuais num atributo que é herdado numa população. Assim, se QI tem uma herdabilidade de 0,50 dentro de uma dada população, então 50% da variação nos escores deste atributo, em tal população, è devido (em teoria) a influências genéticas. Esta afirmação é completamente diferente de afirmar que 50% do atributo é herdado. Mesmo especialistas, cometem o erro de acreditar que herdabilidade refere-se à proporção de um traço, mais do que à proporção das diferenças individuais num traço. Herdabilidade é um índice estatístico de população, e, como qualquer outro índice estatístico, carrega, em sua definição, a incerteza.
Importante notar ainda que herdabilidade não implica imutabilidade. Traços hereditários, como o QI, personalidade, criatividade entre muitos outros, podem ser sujeitos a outros efeitos ambientais. Em outras palavras, a ação do gene envolve um ambiente, de forma que todos os efeitos genéticos sobre o desenvolvimento de traços observáveis são potencialmente modificáveis pelo contexto ambiental. Assim, há sempre um aspecto genético nos efeitos do ambiente. Em resumo, se desejamos aproveitar ao máximo os recursos humanos de nossa sociedade, é essencial criar condições nas quais cada indivíduo, independentemente de sua origem familiar ou social, tenha oportunidades para alcançar ou realizar todas as suas capacidades inatas.
Logo, herdabilidade depende de muitos fatores, mas, um dos mais importantes destes é a amplitude de variação nos ambientes. Quando se fala em herdabilidade é necessário lembrar que genes sempre operam dentro de contextos ambientais. Portanto, herdabilidade não significa imutabilidade, mas, sim, depende da existência de diferenças individuais. Logo, se não há diferenças individuais, não há herdabilidade.