José Antônio Lages *
Vale muito a pena evocar este verso dos Titãs para relembrar 20 anos que, pela primeira vez, discutiu-se uma política pública de cultura para Ribeirão Preto. Isso foi em janeiro de 2004, quando o então Secretário Municipal de Cultura, Galeno Amorim, enviou a proposta de um Plano Municipal de Cultura ao Conselho da pasta. Duas décadas nos separam daquele momento, quando ainda engatinhávamos para compreender que papel mais democrático e republicano deveria ter o poder público na promoção das artes em nosso município. Trata-se de um documento muito importante, datado é verdade, mas que nos leva a refletir nos avanços e nos recuos que tivemos nessa seara. A gente quer comida, diversão e arte!
Já na introdução do documento, somos alertados de que “as práticas culturais estão presentes em todos os setores da sociedade, a se perder no tempo, através das emoções, dos sentimentos, o modo de ser e viver e a ação transformadora do homem e da mulher. Não se limita, portanto, àquilo que é dominante e elitista – todo mundo faz cultura o tempo todo!” Acredito piamente que este foi o start do que conseguimos conquistar nestes últimos anos. Diversidade, identidade e pertencimento norteiam uma efervescência artística de vários grupos e coletivos, de que Ribeirão Preto, nos últimos anos, pode se gabar de ser exemplo para o estado e o país.
Eu exercia meu mandato de vereador à época e acompanhava muito de perto todas as reuniões, debates e propostas que, por dois anos, de 2002 a 2004, resultaram na consolidação deste primeiro projeto de uma política pública de cultura para o nosso município. Não avançou como gostaríamos. Houve uma opção política do Executivo à época de não enviá-lo à Câmara para ser aprovado. Eram as vicissitudes político-partidárias. Ficou como uma peça de referência, reconhecida, hoje, a sua importância. Mas o recado foi dado: é necessário que os governos atribuam às artes a centralidade e o papel estratégico a que elas fazem jus no conjunto de ações da administração pública.
Afinal, como alguém já disse, tudo é Cultura: “o modo de sentir, de viver, de reagir, de absorver, de recusar ou de resistir diante de toda e qualquer situação”. Sabemos muito bem que as expressões artísticas são poderosas ferramentas para o enfrentamento das grandes questões que afligem a sociedade, como o racismo, o machismo, a homofobia e os preconceitos de toda ordem. Por elas passam os caminhos que nos conduzem ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária. Trata-se de fazer avançar o marco civilizatório que consiga superar a lógica avassaladora do mercado. É este o viés de esquerda que precisamos resgatar do documento de 2004. Por que a gente quer comida, diversão e arte!
Eu me lembro bem que, fazendo coro ao intenso debate da época, criamos na Câmara, por iniciativa nossa, uma Comissão de Estudos sobre Patrimônio Cultural da cidade com depoimentos importantíssimos de vários profissionais e especialistas. Continuo acreditando que patrimônio cultural é a porta de entrada para o vasto mundo das artes, condição prévia para uma consciência cidadã de transformação da sociedade. E aqui a educação tem um papel fundamental. Essa foi a premissa do nosso projeto de educação patrimonial – NO CENTRO DA HISTÓRIA – que desenvolvemos com estudantes das nossas escolas no ano passado e neste ano.
De lá pra cá, muita coisa aconteceu. Os governos de Lula e Dilma formataram uma política pública nacional de cultura com intensa repercussão nos estados e municípios. Ribeirão respirou também esses novos ares, se ajustando ao sistema nacional de cultura e seus desdobramentos. Neste contexto, vieram os editais de fomento, com a valorização da diversidade e dos direitos culturais. Lembro-me bem dos editais do programa Cultura Viva, conduzido pelo nosso querido amigo Célio Turino. Eu tive a honra e a alegria de presidir a Associação Amigos do Memorial da Classe Operária-UGT quando essa entidade desenvolveu os projetos do Pontão de Cultura Sibipiruna e de dez Pontos de Cultura em nossa cidade. Bons tempos! Foram mais de 1,5 milhão de reais que fomentaram, como nunca, as artes em Ribeirão!
O documento “Política Pública de Cultura para Ribeirão Preto (2002-2020)”, aprovado pelo Conselho de Cultura em 2004, precisa ser celebrado porque foi um marco, um ponto de chegada e de partida. Abriu caminho para outros avanços que temos hoje, principalmente de superarmos o retrocesso que tivemos entre 2018 e 2022. Que os bons ventos de hoje continuem soprando para novas conquistas. A gente quer comida, diversão e arte!
* Consultor técnico-legislativo e ex-vereador em Ribeirão Preto (Legislatura 2001-2004)