Rui Flávio Chúfalo Guião *
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Participando da Feira Internacional do Livro recém terminada, tive oportunidade de assistir a belas palestras e de conviver com vários e caros amigos, todos nós buscando o prazer intelectual que aquele certame oferece. Estão de parabéns seus dirigentes e a Feira se aprimora a cada ano.
Duas palestras sobre Luís de Camões me fizeram lembrar dos bons tempos de Otoniel Mota, quando aos Lusíadas fomos apresentados pela professora de todos nós Florianete de Oliveira Guimarães.
A primeira, feita pela Acadêmica Maria Conceição Alves de Lima, titular da cadeira de número 32 da Academia Ribeirãopretana de Letras, versou sobre o episódio de Inês de Castro, uma das pouquíssimas referências ao Amor, na epopeia que conta a história dos homens que fizeram Portugal. A palestrante discorreu sobre a vida de Inês e de seu amado, o herdeiro do trono português que se tornaria D. Pedro I de Portugal, analisando os intrincados meandros das famílias reais portuguesas e espanholas, que se entrelaçavam através de casamentos arranjados.
A outra, de autoria do Acadêmico Waldomiro Waldevino Peixoto, titular da cadeira de n.22 daquela Academia, esmiuçou a vida do vate e de Vasco da Gama, cuja viagem pioneira às Índias é o tema central de Os Lusíadas. Elaborou também a grande contribuição de Camões para a criação da nossa língua portuguesa ( até então era considerada mera linguagem ) e para a adoção de técnicas de poética que vigem até hoje.
A participação na quinta-feira na FIL terminou com agradável jantar em companhia do Acadêmico Sidnei Beneti, titular da cadeira de n. 34 e meu colega na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, grande jurista e literato.
Relembramos, como fazemos sempre quando nos encontramos, dos bons momentos do Otoniel Mota, onde tivemos o privilégio de receber ensinamentos de grandes professores e conviver com futuros líderes de nosso país. E, ainda com os reflexos da excelente tarde literária, passamos o jantar falando de D. Florianete.
Ela nos ensinou primeiro a ler a grande obra. Como sabemos, foi escrita no século XVI, há quinhentos anos e traz, além de palavras ainda não vertidas totalmente para o português, um vasto elenco de deusas e deuses, bem como de seres fantásticos. Por isso, é importante que o livro usado para a leitura traga comentários que identifiquem estes seres. Também necessitamos destes comentários para decifrar o nome atual de alguns dos locais visitados pelo Gama.
D. Florianete exigia que cada um dos alunos trouxesse seu exemplar da obra e líamos em voz alta cantos selecionados da epopeia, que ela ia comentando com sua criatividade e pendor artísticos.
No dia a dia e também nas provas, D. Florianete escolhia um verso, que colocava na lousa, e éramos estimulados a dizer a que episódio se referia, bem como antecedentes e consequentes.
Não era fácil entender o conteúdo da grande epopeia e D. Florianete, com seu humor ferino, mas elegante, utilizava-se de várias técnicas para chamar a nossa atenção para a obra, uma delas a performance que fez um dia: chegando rápido e subindo no estrado que colocava o professor em nível superior aos alunos, tirou os elegantes sapatos de salto alto e declarou: “Camões é melhor compreendido quando lemos seus versos descalços “.
Além da leitura repetida a cada aula e o desafio de saber a que canto pertencia o verso que colocava na lousa, D. Florianete também exigia que fizéssemos análise sintática das frases do poema.
Esta postura didática nos introduziu à grande obra da Língua Portuguesa e ao espírito de Camões, que permanece vivo quinhentos anos após seu nascimento.
* Advogado e empresário, é presidente do Conselho da Santa Emília Automóveis e Motos e Secretário-Geral da Academia Ribeirãopretana de Letras