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A fantástica Glória Maria

As universidades brasileiras formam anualmente milha­res de jornalistas que juram exercer a profissão assumindo o compromisso com a verdade e a informação, atuando dentro dos princípios universais de justiça e democracia, garantindo principalmente o direito do cidadão à informação. Prometem buscar o aprimoramento das relações humanas e sociais, através da crítica e análise da sociedade, visando um futuro mais digno e justo para todos os cidadãos. Hoje sabemos que uma das pessoas que mais dignificou essa carreira foi Glória Maria Matta da Silva, primeira repórter negra da televisão do país.

Glória Maria teve sua carreira toda na Rede Globo onde iniciou como estagiária e chegou a âncora dos programas jornalísticos mais importantes, entre os quais, Jornal Hoje, Globo Repórter e Fantástico. Sua versatilidade se estendia da cobertura da Guerra das Malvinas a reportagens especiais, além das inesquecíveis viagens a lugares exóticos. Possuía uma incrível capacidade de nos imergir em suas viagens por mais de 100 países onde conhecemos melhor o mundo com suas belezas, tradições e diversidade.

Glória apresentou um novo estilo de reportagem onde o jor­nalista participa efetivamente da notícia. Assim foi ao sobrevoar o vulcão Kilauea, no Havaí; encontrar os grandes ursos polares no Canadá; encontrar esqueletos de quase 5 mil anos no Egito e voar em helicóptero e avião de caça Super Tucano A-29 com a primeira turma de mulheres piloto militares. Outros momen­tos marcantes na carreira foram as coberturas da invasão da embaixada brasileira do Peru por um grupo terrorista, os Jogos Olímpicos de Atlanta e a Copa do Mundo na França.

Também foi a primeira pessoa a entrar ao vivo no Jornal Nacional e inaugurou a era da alta definição da televisão brasilei­ra. Sem esquecer as entrevistas inéditas com celebridades como Madonna, Freddie Mercury, Mick Jagger e Michael Jackson. Sua generosidade ficou evidenciada quando esteve em Ribeirão Pre­to visitando e emocionando uma fã, a garota Mirella Archangelo, que fazia vídeos denunciando a precariedade de seu bairro.

Mais que uma voz, ela era um rosto. Uma profissional negra mostrando sua cara na telinha, desbravando caminhos, superando barreiras e obstáculos, além de abrir trincheiras para uma geração de pessoas negras que passaram a ser representados em uma das áreas onde o racismo, o preconceito e a discriminação são mais presentes. Se ainda hoje, a televisão possui poucos profissionais pretos e pardos, imagine na década de 1970, quando iniciou.

Aliás, foi naquela época que Glória Maria se tornou a primei­ra cidadã a utilizar a Lei Afonso Arinos, primeira norma brasi­leira contra o racismo – que em 1951, definiu que discriminação racial era uma contravenção penal – contra um gerente de hotel que não permitia a entrada de negros. Também enfrentou o ra­cismo do general João Figueiredo, último presidente da ditadura militar que durante todo seu governo dizia “Tira aquela ‘negui­nha’ da Globo daqui”. Durante o Programa Roda Viva em 2020 ela disse: “A gente tem que aprender a usar a nossa alma, a nossa inteligência, a nossa cultura pra tentar acabar com o racismo da maneira que cada um de nós conseguir e puder”.

Glória Maria não se preocupava com o que as pessoas diziam em relação ao comportamento e fazia questão de lembrar que ninguém pagava suas contas ou resolvia os seus problemas. Perguntada sobre qual frase desejava estampada em seu túmulo, respondeu: “No meu epitáfio estará somente: ‘Vivi como eu quis’. Eu sou a dona do meu destino.” Sim ela viveu intensamente e deixa um legado inimaginável para o jornalismo e para a luta pela igualdade racial.

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